Rompimento do Testamento

Talvez por ainda não estar tão difundido, no Brasil, entre pessoas jovens, que ainda estão construindo suas famílias, pouco se fala no instituto do rompimento do testamento, que, contudo, pode vir a comprometer a validade das disposições de última vontade do autor da herança.

Inicialmente, destaque-se que o rompimento não se confunde com a revogação do testamento (que já foi abordada nesse post).

O Código Civil, em relação à matéria objeto do presente post, assim estabelece:

Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.

Art. 1.974. Rompe-se também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.

Dessa forma, o rompimento do testamento somente ocorrerá se: (i) na época de sua elaboração, o testador não possuía (ou não tinha ciência da existência de) nenhum descendente, não sendo aplicável no caso de o autor da herança já ter um descendente e surgirem outros posteriormente; ou (ii) se o testador desconhecia outros herdeiros necessários (como é o caso do testador solteiro que vem a casar – nesse caso, ele ignorava a existência de herdeira necessária, que veio a garantir tal condição apenas após o casamento).

A consequência do rompimento do testamento é a perda da validade e eficácia de todas as suas cláusulas.

A doutrina especializada entende ser possível que o testador se antecipe ao surgimento de descendentes no futuro e estabeleça a validade do testamento, prevenindo sua ruptura. Veja-se[1]:

“Zeno Veloso entende válida a cláusula em testamento prevenindo a ruptura. Assim, o testador prevê a superveniência de filho e refere que suas disposições patrimoniais acomodar-se-ão a essas circunstância eventual e futura, sobrevindo o descendente, o testamento não se rompe, justamente porque o testador previra e remediara o fato. Segundo o doutrinador, se a ratio legis da rupção o que visa resguardar é a vontade presumida do testador; se a presunção é que não deixaria o disponente os seus bens para outros parentes – muito menos para estranhos – se tivesse conhecimento da existência de descendente seu, a própria e expressa previsão do testador, a alusão que fez a esse possível descendente, e a ordem para que o testamento seja mantido, faz ruir toda a estrutura em que se baseia a revogação legal do testamento, caem os fundamentos do rompimento, falecem os motivos que justificam sua instituição, na lei. Portanto, entende o jurista paraense que não se rompe o testamento que tenha a seguinte previsão: ‘Nomeio A meu herdeiro. Porém, a à época de meu falecimento tiver descendente sucessível, a este caberá a metade de meus bens, para pagamento de sua legítima, conferindo-se a A a metade disponível.”

Cabe destacar que o artigo 1.975, do Código Civil, faz uma importante ressalva: “não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte”. Isso quer dizer que, se as disposições testamentárias estiverem restritas à parte disponível, o testamento fica preservado.

Nesse ponto, transcreve-se decisão do Superior Tribunal de Justiça, que validou testamento que respeitou a legítima:

TESTAMENTO. ROMPIMENTO. HERDEIROS NECESSÁRIOS. LEGÍTIMA PRESERVADA. RECONHECIMENTO DE FILHO POR SENTENÇA JUDICIAL POSTERIORMENTE AO TESTAMENTO E AO ÓBITO DO TESTADOR. ALEGAÇÃO DE ROMPIMENTO FORMULADA POR FILHO AQUINHOADO NO TESTAMENTO, QUE ANTES RECEBEU DOAÇÃO COM ENCARGO DE RESSARCIMENTO PARA EQUALIZAÇÃO. CONCORDÂNCIA COM O TESTAMENTO POR PARTE DOS DEMAIS FILHOS, INCLUSIVE O FILHO RECONHECIDO. VALIDADE DO TESTAMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1.- Não ocorre o rompimento do testamento, que, preservada a legítima, outorga da parte disponível em favor de todos os filhos reconhecidos, no caso de reconhecimento ulterior ao testamento e ao óbito, de filho não incluído no testamento à vista de dúvida de paternidade, desfeita em ação de investigação de paternidade mediante o exame de DNA com utilização de material genético deixado pelo próprio testador, para análise.

2.- Vontade clara do testador preservada, inclusive quanto a ressarcimento por filho donatário de parte do patrimônio, por doação em vida, único a pleitear o rompimento do testamento, cuja validade é admitida por todos os demais herdeiros, inclusive pelo reconhecido ulteriormente.

3.- As circunstâncias da existência de filhos, herdeiros necessários, conhecidos do testador, tanto que em seu favor realizado o testamento, e da disposição testamentária com preservação da legítima de herdeiros necessários, torna prejudicada a discussão a respeito de conhecimento, ou não, pelo testador, da existência de outros filhos, no caso, o filho ulteriormente reconhecido por sentença judicial transitada em julgado.

4.- Vontade do testador absolutamente preservada, inclusive quanto ao sistema por ele estabelecido para a equalização patrimonial dos filhos após o óbito.

5.- Recurso Especial provido, com o restabelecimento do julgado de 1º Grau, prejudicados Embargos de Declaração interpostos pela Procuradoria Geral.

A previsão legal do rompimento do testamento nada mais é, portanto, que mais uma forma de presunção da vontade do autor da herança, ou seja, entende o legislador que o documento de última vontade não teria sido elaborado daquela forma se o testador soubesse da existência de descendentes ou herdeiros necessários.

Trata-se, assim, de questão relevante a ser observada por aqueles que desejam (ou já tenham) elaborado o seu testamento, documento que, como sempre ressaltamos aqui, é um dos mais complexos previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

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[1] ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e Partilha. 2ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. P. 324.

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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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