A flexibilização das formalidades do testamento
Por representar a vontade de alguém que já não está mais nesse mundo, o testamento é, talvez, o documento legal com maior número de exigências formais, ou seja, de requisitos que devem ser cumpridos para garantir a sua validade.
No caso do testamento público, os requisitos estão previstos no artigo 1.864, do Código Civil, que assim prevê:
Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:
I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;
II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Não é de hoje, contudo, que os tribunais brasileiros vêm flexibilizando algumas das formalidades, com o intuito de preservar, sempre que possível, a vontade do testador.
Foi o que aconteceu no Recurso Especial nº 1586883, julgado em outubro de 2020 pelo Superior Tribunal de Justiça, onde alguns herdeiros questionaram o fato de não haver a rubrica do testador em todas as páginas do documento.
Apesar de realmente haver essa exigência no parágrafo único, do dispositivo legal transcrito acima, prevaleceu a tendência de preservação da vontade do testador, pois todos os outros requisitos foram cumpridos e não havia (ao menos pelo que consta no acórdão do Superior Tribunal de Justiça) suspeitas de adulteração do conteúdo do documento.
Segue cópia da ementa da decisão do STJ:
“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INVALIDADE DE TESTAMENTO PÚBLICO. RELATIVIZAÇÃO DAS FORMALIDADES. PREVALÊNCIA DA VONTADE DO TESTADOR. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. O Tribunal de origem concluiu que a ausência de uma das formalidades exigidas para confecção do testamento poderia e deveria ser relativizada a fim de preservar a última vontade do testador, porquanto o conjunto procedimental não comprometeu o restante do ato jurídico.
2. A revisão da conjuntura fática delineada na origem (sobretudo acerca da comprovação dos requisitos legais para o registro do testamento) não prescindiria do reexame do mencionado suporte probatório, incidindo, por conseguinte, o óbice da Súmula 7/STJ.
3. A jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que, “para preservar a vontade do testador, são admissíveis determinadas flexibilizações nas formalidades legais exigidas para a validade do testamento particular, a depender da gravidade do vício de que padece o ato de disposição” (REsp 1.583.314/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/08/2018, DJe 23/08/2018). Incidência da Súmula 83/STJ.
4. Agravo interno improvido.”
O Ministro relator transcreveu, em seu voto, interessante trecho da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia analisado o caso anteriormente:
“(…) a causa de pedir relativa à necessidade de o testador rubricar todas as folhas do instrumento, in casu, não prospera. Com efeito, o testamento, enquanto declaração unilateral de caráter personalíssimo que manifesta a última vontade do testador, carece de
requisitos formais cuja finalidade precípua é garantir que ao verdadeiro e íntimo querer do declarante corresponda a manifestação da vontade por ele exteriorizada. É dizer: o escopo material dos requisitos formais atinentes ao testamento é a preservação da vontade do testador. Assim, dado que o fim teleológico da solenidade tida como essencial é garantir a vontade do testador, a forma jamais pode ser instrumentalizada no sentido de revogá- la.
(…) Nessa senda, a essencialidade de um ato ou solenidade deve ser compreendida inserta no conjunto procedimental como um todo, mormente porque sua finalidade teleológica essencial repita-se é a garantia da vontade do testador. E se essa vontade fica evidenciada por uma sucessão de atos e solenidades que coesamente a professam, inexiste razão para, em preciosismo desprovido de propósito, exigir o cumprimento de norma que já teve seu fim atendido.
Assim, em primeiro lugar, observa-se que a disposição testamentária foi realizada mediante declaração de vontade exarada perante o Tabelião, agente público dotado de fé pública; tendo sido, ademais, subscrito pelo testador, pelo Tabelião e por mais duas testemunhas em folhas de segurança constantes dos Livros Notariais do cartório de São José do Rio Preto.”
O que o julgador manifestou, em resumo, foi que praticamente todos os requisitos de validade do testamento público foram preenchidos. Nesse contexto, seria um rigor excessivo invalidar um testamento inteiro apenas por conta da ausência das rubricas em todas as folhas, o que é um detalhe comparado a todas as outras exigências.
No nosso entendimento, está correta a evolução da jurisprudência para a flexibilização dos requisitos de validade do testamento, sendo razoável que, não havendo dúvidas quanto à real manifestação da vontade do testador, e estando a maioria das exigências legais inerentes à elaboração do testamento preenchida, seja o documento de última vontade considerado válido.
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