Alteração do regime de bens pode ter efeito retroativo, decide STJ

Uma das ferramentas de planejamento sucessório à disposição das famílias brasileiras é a alteração do regime de bens, procedimento muitas vezes necessário para viabilizar a estratégia pensada para a transmissão do patrimônio para a próxima geração.

Por exemplo, um casal cujo regime de bens seja o da comunhão universal não poderá, por expressa previsão legal, constituir uma holding familiar, pois não podem ser sócios. Alterando-se o regime para o da comunhão parcial, viabiliza-se a criação da empresa que irá administrar o patrimônio da família.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se deparou com um pedido não tão comum: um casal queria não apenas alterar o regime de seu casamento da separação de bens para comunhão universal, como também que a decisão produzisse efeitos para o passado (ex tunc, para utilizar a expressão jurídica em latim).

Na prática, a ideia é que o patrimônio de ambos passasse a ser um só, sob a alegação de que, no fim das contas, apesar do regime de bens então escolhido, os dois haviam colaborado na construção do patrimônio da família.

O juiz de primeira instância e o Tribunal de Justiça de São Paulo acataram o pedido de alteração do regime de bens, mas sem declarar a produção de efeitos retroativos à decisão judicial.

O STJ, por sua vez, acolheu o pedido sob, principalmente, a alegação de que a produção de efeitos ex tunc “fortalece” o vínculo conjugal.

Transcreve-se, a seguir, a ementa da decisão:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DE SEPARAÇÃO TOTAL PARA COMUNHÃO UNIVERSAL. RETROAÇÃO À DATA DO MATRIMÔNIO. EFICÁCIA “EX TUNC”. MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DE VONTADE DAS PARTES. COROLÁRIO LÓGICO DO NOVO REGIME. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Nos termos do art. 1.639, § 2o, do Código Civil de 2002, “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

2. A eficácia ordinária da modificação de regime de bens é “ex nunc”, valendo apenas para o futuro, permitindo-se a eficácia retroativa (“ex tunc”), a pedido dos interessados, se o novo regime adotado amplia as garantias patrimoniais, consolidando, ainda mais, a sociedade conjugal.

3. A retroatividade será corolário lógico do ato se o novo regime for o da comunhão universal, pois a comunicação de todos os bens dos cônjuges, presentes e futuros, é pressuposto da universalidade da comunhão, conforme determina o art. 1.667 do Código Civil de 2002.

4. A própria lei já ressalva os direitos de terceiros que eventualmente se considerem prejudicados, de modo que a modificação do regime de bens será considerada ineficaz em relação a eles (art. 1.639, § 2o, parte final).

5. Recurso especial provido, para que a alteração do regime de bens de separação total para comunhão universal tenha efeitos desde a data da celebração do matrimônio (“ex tunc”).

(Resp 1.671.422. Relator Ministro Raul Araújo. Julgado em 25/04/2023)

É importante observar, contudo, alguns detalhes.

O STJ não estabeleceu a produção de efeitos ex tunc como regra inerente a todos os pedidos de alteração de regime de bens, mas tão somente atestou a possibilidade, principalmente no caso de migração da separação total para comunhão universal de bens, visto que, nesse caso, toda a sociedade acaba se beneficiando, na medida em que o patrimônio do casal fica fortalecido (o que, em última análise, protege seus eventuais credores).

Outra observação importante é que a alteração não pode prejudicar terceiros, incluindo, aqui, o Fisco. Extrai-se, nesse ponto, do voto do Ministro Relator:

“Nos termos da literalidade da norma, a alteração do regime de bens não poderá prejudicar os direitos de terceiros. Constata-se, assim, a preocupação de se proteger a boa-fé objetiva, em desprestígio da má-fé, de modo que a alteração do regime não poderá ser utilizada para fraude em prejuízo de terceiros, inclusive de ordem tributária.”

A ressalva é importante, pois, como se sabe, no regime da separação de bens o patrimônio dos cônjuges é construído de forma autônoma (seguindo o ditado popular “o que é meu, é meu; o que é seu, é seu”). 

Com a fusão patrimonial oriunda da alteração do regime de bens por sentença judicial, os respectivos patrimônios serão aumentados na proporção da agora meação de cada um, caracterizando uma transferência patrimonial gratuita de um para o outro, podendo resultar na cobrança do ITCMD pelo respectivo Estado da Federação.

É certo que a alteração do regime de bens não deve servir como forma de burlar a legislação tributária, sob pena de desvirtuamento dessa ferramenta de planejamento sucessório.

De toda forma, parece-nos acertada a decisão do STJ, eis que o regime de bens deve ser pautado no que ocorre na realidade e obedecer à vontade dos cônjuges. Sabemos que a vida patrimonial e matrimonial é dinâmica, de forma que não se poderia restringir, sem afrontar o princípio da livre autonomia da vontade das partes, o intuito de produção de efeitos retroativos à sentença que deferir o pedido de alteração do regime de bens.


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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