Bem de família voluntário

Há alguns dias comentei no meu Instagram (@felipezaleski – Destaque “planejamento”) sobre o fato de poucas pessoas no Brasil conhecerem as vantagens decorrentes da instituição do bem de família voluntário. No post de hoje aprofundaremos um pouco esse tema, que é bastante relevante para o planejamento patrimonial e sucessório.

Bem de família legal

O bem de família legal está previsto na Lei nº 8.009/90, que em seu artigo 1º assim estabelece:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

O texto da lei é bastante claro. Imóvel que serve de residência da família não pode ser penhorado, independentemente da natureza do débito. Não há nenhuma providência específica a ser tomada, sendo suficiente para impedir a penhora do imóvel a prova de que, de fato, o imóvel é utilizado para residência da família.

Bem de família voluntário

O assunto começa a ficar interessante quando passamos a compreender (e, melhor do que isso, a utilizar) o bem de família voluntário, que por sua vez está previsto nos artigos 1.711 e seguintes, do Código Civil:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Da leitura desses dois artigos já é possível extrair algumas conclusões interessantes:

  • O bem de família voluntário pode ser instituído de forma cumulativa com o legal, ou seja, um não exclui o outro. Isso significa que a família pode ter dois imóveis protegidos.
  • É necessária a instituição do bem de família por escritura pública ou testamento. Ao contrário do bem de família legal, essa medida precisa ser tomada, obrigatoriamente.
  • O valor do imóvel objeto do bem de família voluntário não pode ultrapassar um terço do patrimônio total da família, o que acaba restringindo bastante sua utilização, já que normalmente o imóvel próprio representa grande parte do patrimônio familiar.
  • Além de um imóvel residencial ou urbano, ficarão protegidos pelo bem de família aplicações financeiras (“valores mobiliários”) cujo rendimento seja utilizado na conservação do imóvel e no sustento da família. Essa previsão é especialmente interessante para quem recebe grande quantia de dinheiro por herança, por exemplo.

A autora Priscila Corrêa da Fonseca[1] destaca ainda que:

“Ao contrário do que acontece com o bem de família legal, não há necessidade de que a família resida no imóvel eleito como bem de família voluntário, pois tem caráter de garantia de moradia e subsistência, de modo que, se perdido aquele que serve de residência, poderá a família se abrigar naquele voluntariamente instituído como bem de família.”

É importante ressaltar, contudo, que, para que o bem esteja realmente protegido, a instituição do bem de família voluntário deve ocorrer antes de a dívida existir, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA.

Decisão que rejeitou impugnação e converteu em penhora bloqueio de ativos financeiros do executado. Inconformismo. Não acolhimento. Alegação de impenhorabilidade dos valores mobiliários constituídos como bem de família voluntário. Constituição posterior à aquisição da dívida e do cumprimento provisório de sentença. Inoponibilidade. Inteligência do art. 1.715 do Código Civil. Valor bloqueado que não é irrisório, ainda que expressivo o montante executado Inaplicabilidade do art. 836 do Código de Processo Civil a penhora de ativos financeiros Recurso desprovido.

(Processo nº 2093861-11.2020.8.26.0000. Relator RUI CASCALDI. Julgado em 24-08-2020)

Percebe-se, mais uma vez, portanto, a importância de efetivamente haver um planejamento patrimonial antes mesmo do surgimento de problemas financeiros (que podem acometer qualquer família, pelas mais variadas razões), sob pena de não ser possível a instituição do bem de família voluntário, instrumento que, como vimos neste post, pode ser de grande valia para as famílias brasileiras.

Você já conhecia a possibilidade de instituir bem de família de forma voluntária? Deixe seu comentário!


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[1] FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Manual do planejamento patrimonial das relações afetivas e sucessórias. 2ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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