Há ITCMD sobre créditos do autor da herança?

O que ocorre quando o autor da herança tinha créditos, ou seja, valores a receber (decorrentes, por exemplo, de processos judiciais)?

Bom, existem inúmeras situações em que isso pode ocorrer, mas, em linhas gerais, um crédito não deixa de ser um ativo, razão pela qual também deve ser inventariado junto com os demais bens do falecido.

Como não poderia ser diferente, e já respondendo ao questionamento do título deste post, há sim incidência do ITCMD sobre créditos. Trazemos, a título de exemplo, previsão nesse sentido da legislação paulista:

Artigo 3º – Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

(…)

I – qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza;

Ou seja, por mais que o autor da herança não tenha recebido os valores decorrentes do crédito em vida, a simples transmissão da titularidade do direito à percepção dessa quantia é suficiente para atrair a incidência do Imposto.

Caso interessante foi analisado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão da Receita Federal que julga recursos administrativos apresentados contra autuações dos auditores fiscais.

Trata-se de situação em que um contribuinte havia sido autuado por não ter recolhido imposto de renda sobre valores recebidos de herança referentes a precatório (que é o nome dado ao valor devido pela Fazenda Pública em decorrência de condenação judicial definitiva).

Nesse caso, o valor do precatório que efetivamente é transferido ao cidadão já sofre o desconto do imposto de renda diretamente “na fonte”, ou seja, o imposto não precisa ser pago pelo contribuinte após o recebimento dos valores.

No entanto, o auditor fiscal entendeu que o recebimento de precatório pelo herdeiro representaria acréscimo patrimonial, dando ensejo, assim, à cobrança do imposto de renda. O CARF, no entanto, acabou reformando esse entendimento, destacando justamente que nesse cenário é caso de cobrança de ITCMD, e não de IR. Veja a ementa da decisão:

IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. FATO GERADOR. DISPONIBILIDADE ECONÔMICA OU JURÍDICA. PRECATÓRIO. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. O critério material da hipótese de incidência do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza (art. 43 do CTN).

Disponibilidade econômica não se confunde com disponibilidade financeira. Enquanto esta última se refere à imediata utilidade da renda, a disponibilidade econômica se refere ao acréscimo patrimonial, independentemente da existência de recursos financeiros (RMS nº 42.409/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/10/2015, DJe 16/10/2015).

O precatório é um documento que veicula um direito de crédito líquido, certo e exigível proveniente de uma decisão judicial transitada em julgado. Portanto, veicula um direito cuja aquisição da disponibilidade econômica e jurídica já se operou com o trânsito em julgado da sentença a favor de um determinado beneficiário e se incorporou ao seu patrimônio. Falecendo o beneficiário, portanto, o direito de crédito decorrente do precatório deve, ser incorporado ao espólio. Tanto que esse beneficiário pode realizar a cessão do crédito.

Desse modo, o momento em que nasce a obrigação tributária referente ao Imposto de Renda, com a ocorrência do seu critério material da hipótese de incidência (disponibilidade econômica ou jurídica), é anterior ao pagamento do precatório (disponibilidade financeira) e essa obrigação já nasceu com a sujeição passiva determinada pelo titular do direito que foi reconhecido em juízo (beneficiário), e não se modifica pela transmissão do direito de crédito em razão do falecimento do beneficiário.

Não por outra razão o valor efetivamente pago ao herdeiro é o valor do precatório líquido do IRRF devido pelo beneficiário original do crédito constante do título, pois não é possível a transmissão ao herdeiro da parte do crédito relativa à parcela correspondente ao Imposto de Renda a ser retido na fonte, haja vista que tais valores, em última análise, não pertencem ao credor originário, pois o valor que lhe caberá pressupõe a dedução na fonte do imposto.

Nesse contexto, o valor recebido pelo herdeiro, por conseguinte, tem natureza jurídica de herança, sobre o qual não incide imposto de renda em razão das normas expressas nos arts. 39, XV do RIR/99 e 6º, XVI da Lei nº 7713/88.

(Processo nº 10240.721056/2018-60. Relator Conselheiro Denny Medeiros da Silveira. Julgado na sessão de 06/06/2020)

No nosso entendimento, foi correta a decisão do CARF, na medida em que de fato o valor do precatório pago ao espólio tem natureza jurídica de herança, devendo incidir apenas o ITCMD.

Cabe destacar, por fim, que as legislações estaduais podem prever a isenção do imposto em determinadas situações, como o faz o Estado de São Paulo, que não cobra o tributo no caso de crédito trabalhista não pago pelo empregador em vida (art. 6º, I, “c”, da Lei 10.705/00).

Você já sabia que incide ITCMD sobre a transmissão de créditos? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

1 Comentário

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  1. Bom dia, gostaria de uma orientação, devo 12.000 para os herdeiros, que me foi emprestado pela minha finada vó, não me nego pagar só que estão me cobrando juro sobre juro minha, e minha dívida está em 20.141, 85, gostaria de saber se isso está correto, obrigado pela sua atenção.

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