O que acontece se o herdeiro devia para o autor da herança?
Há algumas semanas dedicamos um post aos três erros mais comuns cometidos em empréstimos entre familiares (clique aqui para acessá-lo). Seguindo essa temática, abordaremos hoje o que acontece quando o autor da herança tinha como credor o seu próprio filho, por exemplo, ou outro herdeiro, situação corriqueira nas famílias brasileiras.
A resposta para essa questão está no Código Civil, mais especificamente em seu art. 2.001, que assim estabelece:
Art. 2.001. Se o herdeiro for devedor ao espólio, sua dívida será partilhada igualmente entre todos, salvo se a maioria consentir que o débito seja imputado inteiramente no quinhão do devedor.
A legislação traz duas opções, portanto: ou a dívida será paga pelo herdeiro devedor aos demais herdeiros, ou o valor do débito será abatido do quinhão do herdeiro devedor.
Transcreve-se, a seguir, didática decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o tema, que chega inclusive a explicar os motivos pelos quais a lei traz as duas alternativas:
INVENTÁRIO. IMPUTAÇÃO DO CRÉDITO DO ESPÓLIO NO QUINHÃO DO HERDEIRO DEVEDOR.
Diante do pedido do herdeiro devedor e da manifesta concordância da maioria dos herdeiros e interessados, deve ser deferida a imputação do crédito do espólio no quinhão do herdeiro devedor, nos termos do art. 2.001 do Código Civil.
O que se partilha entre os herdeiros é o crédito que o espólio tem a receber, assim como é o crédito do espólio que se imputa no quinhão do devedor.
O dispositivo não induz interpretação errônea, mas dessa forma seria melhor entendido: “se o herdeiro for devedor ao espólio, o crédito (do espólio) será partilhado igualmente entre todos (os herdeiros), salvo se a maioria consentir que o crédito seja imputado inteiramente no quinhão do devedor”.
E assim é para que o herdeiro devedor não seja obrigado a ter a dívida imputada no seu quinhão quando, eventualmente, tiver interesse em outro bem do espólio, ou para que a maioria dos herdeiros não seja obrigada a ficar com outros bens dos quais não tenham interesse, e não com o crédito que o espólio tem a receber.
É por esse motivo que a lei determina duas condições para que o crédito do espólio seja imputado inteiramente no quinhão do devedor: o pedido do herdeiro devedor e o consentimento da maioria dos herdeiros.
Recurso não provido.
(TJSP. Agravo de Instrumento nº 0121486-98.2013.8.26.0000. Relator Carlos Alberto Garbi. Publicado em 09/10/2013)
A doutrinadora Maria Berenice Dias[1] traz outra abordagem à matéria:
“Quando algum herdeiro é devedor do espólio, a regra é distribuir a dívida entre os deamsi herdeiros (CC 2.001). Ou seja, o crédito do espólio junto a um herdeiro é dividido entre os outros herdeiros. Esta foi a solução encontrada pelo legislador para tentar prevenir fraudes e impedir que o herdeiro prejudique seus credores simulando dever ao de cujus. Assim, o herdeiro que devia ao falecido passa a dever a todos os coerdeiros. Ele é tratado como se fosse um devedor estranho à sucessão.
A lei usa a expressão ‘igualmente entre todos’, mas não se trata de igualdade numérica, e sim proporcional ao quinhão de cada um. Há uma exceção. É assegurada aos herdeiros a faculdade de decidir pela compensação do quinhão do herdeiro com sua dívida para com o espólio. Esta prerrogativa não é do herdeiro-devedor, mas dos demais herdeiros, que decidem por maioria. Ele não tem direito à compensação, que depende do consentimento dos demais. A vontade do devedor não importa, pois a forma de partilhar o seu débito está nas mãos dos outros. Cabe a eles requererem que a dívida seja imputada ao quinhão do herdeiro, procedendo-se à compensação.
Democraticamente, exige-se a manifestação de vontade da maioria. Não basta requerimento isolado de qualquer dos herdeiros nem do próprio devedor.”
Quando esse tipo de situação ocorre, portanto, entendemos ser o caminho mais adequado uma conversa aberta entre todos os herdeiros, para que deixem claras suas pretensões em relação aos bens específicos do acervo hereditário, possibilitando-se um acordo com o herdeiro devedor quanto à opção que melhor se amolda à situação: dividir o crédito entre todos os herdeiros ou abater a dívida do quinhão do devedor.
Você já sabia da existência dessas duas possibilidades, quando um dos herdeiros é devedor do autor da herança? Deixe seu comentário!
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[1] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 3ª Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. P 584.
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E qdo deve ser mencionada esta dívida no processo do inventario?
Se um herdeiro é devedor para com o espolio, ou mesmo devedor a outro herdeiro, em que momento isto deve ser comunicado ao juiz, para que os valores constem no processo?
Olá, Fabiana.
Eu entendo que já no início do processo ou quando surgir essa informação.