União estável de fato e separação obrigatória de bens

Quando não registrada em cartório, a definição do regime de bens na união Estável pode trazer algumas complicações para o casal. 

O assunto já foi abordado neste post, que de certa forma será complementado pelo artigo de hoje, cujo enfoque será no regime de bens da separação obrigatória.

Iniciemos, portanto, pela legislação que regula a matéria. O Código Civil, em seu art. 1.641, prevê que:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Para entender quais casos se enquadram no inciso I, precisamos ler também o art. 1.523, também do Código Civil:

Art. 1.523. Não devem casar:

I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Em todas as situações listadas acima, portanto, ficam impedidos os cônjuges de escolherem livremente o regime de bens que regerá o seu casamento. 

O Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes, decidiu que as mesmas previsões do art. 1.641 se aplicam, também, à União Estável. Veja-se:

(…) CAUSA SUSPENSIVA DO CASAMENTO PREVISTA NO INCISO III DO ART. 1.523 DO CC/02. APLICAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO PARA A PARTILHA. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(…)

3. Determinando a Constituição Federal (art. 226, § 3º) que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, não se pode admitir uma situação em que o legislador, para o matrimônio, entendeu por bem estabelecer uma restrição e não aplicá-la também para a união estável.

(…)

(REsp 1616207/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2020, DJe 20/11/2020)

Desse modo, apesar de o regime de bens padrão, aplicável inclusive às uniões estáveis não registradas em cartório, ser o da comunhão parcial de bens, quando presentes ao menos uma das hipóteses previstas no art. 1.641, do Código Civil, a relação necessariamente será regida pela separação obrigatória, o que poderá repercutir na futura partilha dos bens do casal.

É importante destacar, ainda, que, no caso do inciso II, deve ser observada a alteração legislativa de 2010, que aumentou a idade mínima necessária para a obrigatoriedade da separação de bens, de 60 (sessenta) para 70 (setenta) anos. 

Vale ressaltar que as uniões estáveis iniciadas antes da alteração da lei devem seguir a regra antiga, como também tem decidido o STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 1.641, II, DO CC/2002. APLICAÇÃO. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. De acordo com a redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, vigente à época do início da união estável, impõe-se ao nubente ou companheiro sexagenário o regime de separação obrigatória de bens. 2. “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição” (EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO -, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe de 30/05/2018, g.n.).

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1637695/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 24/10/2019)

Analisando-se um exemplo prático: No ano de 2009, João, viúvo, com 62 anos e pai de dois filhos, passou a viver em união estável com Maria, solteira, na época com 40 anos. Em 2014, João vem a falecer.

Pelo fato de terem iniciado o relacionamento público, duradouro e com objetivo de constituir família antes da alteração legislativa, Maria apenas terá direito à herança, conforme interpretação majoritária dada à Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, em relação aos bens comprovadamente adquiridos pelo esforço comum do casal, não sendo herdeira de outros bens integrantes do patrimônio particular de João. Se o regime aplicável fosse o da comunhão parcial, Maria seria herdeira de todos os bens particulares, em concorrência com os filhos de João.

Percebe-se, assim, a importância de se observar se os companheiros, ainda que não tenham formalizado a União Estável em cartório, se enquadram em alguma das hipóteses do art. 1.641, do Código Civil.

Pequenos detalhes podem fazer toda a diferença na hora da partilha dos bens.


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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