Como revogar um testamento
Quem acompanha o Próxima Geração já sabe que, na hora de elaborar um testamento, todo cuidado é pouco. Independentemente da modalidade (se público, cerrado, particular ou especial – clique aqui e aqui para ler mais), além das restrições impostas pela legítima (parcela do patrimônio que deve ser destinada aos herdeiros necessários), são muitos os detalhes formais que devem ser observados, sob pena de o documento vir a ser anulado judicialmente.
Veremos, no post de hoje, que os mesmos cuidados são igualmente necessários quando, por qualquer motivo, o testador decide revogar o testamento. Pelo princípio da autonomia da vontade, não existe um prazo para a revogação do testamento, podendo, portanto, tal ato ser realizado a qualquer tempo.
O Código Civil estabelece que o testamento pode ser revogado “pelo mesmo modo e forma como pode ser feito”. Ou seja, as mesmas formalidades exigidas para a confecção de um testamento devem ser observadas para a sua revogação. Na prática, entende-se que apenas um testamento pode revogar o outro. Destacamos, nesse ponto, a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
(…) REVOGAÇÃO DO TESTAMENTO. POSSIBILIDADE VINCULADA À OBSERVÂNCIA DE REQUISITOS EXIGIDOS PARA A CONFECÇÃO DE UM NOVO TESTAMENTO. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS. NULIDADE MANIFESTA. (…)
Como dito anteriormente, a intenção, ao menos pelo que consta dos autos, era invalidar o negócio jurídico.
É cediço, no entanto, que para revogação daquele ato, dispunha o Código Civil de 2002, diploma vigente à época dos fatos, que apenas repetiu a norma do art. 1.746, do CC/1916:
Art. 1.969. O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como pode ser feito.
Observando a Escritura Pública de Revogação, diferentemente daquela em que foi assentada o testamento (fl. 17-v), não há indicação das disposições do Código Civil para revogação do ato.
Não há, também, assinatura do testador, e sim, aposição do seu polegar direito. Não há, igualmente, observância do número de testemunhas presentes quando da assinatura da Escritura Pública de Testamento. (…)
Pois bem, para revogação do testamento público, seria necessário apenas observar as formalidades exigidas para um novo testamento. O que, diga-se, não foram cumpridas.
(TJSC, Apelação Cível n. 0003726-06.2009.8.24.0104, de Ascurra, rel. Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, Quarta Câmara de Direito Público, j. 05-03-2020)
É importante destacar que a lei não exige que um testamento seja revogado por outro da mesma modalidade. Entende-se, assim, que um testamento particular pode revogar um público, por exemplo, assim como um testamento cerrado pode revogar um particular, e assim por diante.
Quanto à extensão, a revogação pode ser total ou parcial, podendo, ainda, ser expressa ou tácita, como dispõe o parágrafo único, do artigo 1.970, do Código Civil:
Parágrafo único. Se parcial, ou se o testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que não for contrário ao posterior.
Ou seja, não havendo revogação total ou expressa, as disposições do antigo testamento que forem incompatíveis com o novo serão consideradas tacitamente revogadas.
Em relação à produção de efeitos da revogação, o Código Civil estabelece que:
Art. 1.971. A revogação produzirá seus efeitos, ainda quando o testamento, que a encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro nele nomeado; não valerá, se o testamento revogatório for anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos.
Traduzindo o intrincado texto da lei, temos que:
- Mesmo que o novo testamento venha a “caducar” (perder a validade) em função da exclusão, incapacidade ou renúncia (fatores que impedem o recebimento da herança) do herdeiro nomeado, ainda assim a revogação permanecerá válida, ou seja, o primeiro testamento não terá validade.
- Por outro lado, se os requisitos formais não forem respeitados, e o testamento “revogador” for anulado, a revogação não produzirá efeitos.
Cabe ressaltar que o testador pode, por mera liberalidade, prever eventos que, uma vez concretizados, culminem na revogação automática do testamento. Um exemplo citado por Priscila Corrêa da Fonseca, em seu Manual[1], é o caso de divórcio. Veja-se:
“Embora assim não estabeleça a lei, recomenda-se ao testador, na elaboração de seu ato de última vontade, prevendo a possibilidade de um futuro divórcio, determinar que as disposições que beneficiam o outro cônjuge sejam automaticamente consideradas revogadas.”
Por fim, destaca-se a particularidade do testamento cerrado, onde, de acordo com a legislação, se “o testador abrir ou dilacerar, ou for aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado”.
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[1] FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Manual do planejamento patrimonial das relações afetivas e sucessórias. 2ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
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[…] Inicialmente, destaque-se que o rompimento não se confunde com a revogação do testamento (que já foi abordada nesse post). […]