Mas, afinal, quais são os “bens particulares”?

Pelo fato de o regime de bens padrão, no Brasil, ser o da comunhão parcial de bens, todos deveriam saber diferenciar os bens comuns do casal dos chamados bens particulares. Isso porque, ao contrário daqueles, esses não entram na meação do cônjuge/companheiro(a) sobrevivente.

Para entendermos quais bens podem ser considerados como particulares, nada melhor do que recorrermos ao Código Civil, que é bastante claro ao estabelecer que:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III – as obrigações anteriores ao casamento;

IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Vamos aos esclarecimentos.

De acordo com o inciso I, todos os bens que já pertenciam ao cônjuge/companheiro(a) antes do casamento ou união estável, bem como os recebidos por doação ou herança, são considerados particulares. 

A expressão “sub-rogados em seu lugar” significa que, por exemplo, se o cônjuge recebeu uma casa de herança, mas a vendeu e, exclusivamente com esse dinheiro, comprou um sítio, este sítio se “sub-rogou” no lugar da casa, permanecendo, contudo, como um bem particular. Isso é reforçado no inciso II.

Quanto aos incisos VI e VII, apesar do teor da redação da lei, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que os salários, incluindo FGTS, e benefícios previdenciários (como aposentadoria pelo INSS) devem ser considerados como bens comuns dos cônjuges e companheiros (falaremos mais a seguir sobre isso).

Por fim, previu o legislador que “bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão”, no regime da comunhão parcial de bens, são considerados como particulares, independentemente do momento em que forem adquiridos. Entendemos que aqui podem se enquadrar, por exemplo, equipamentos eletrônicos, como smartphones e notebooks.

Os itens III e IV dizem respeito às obrigações (dívidas em geral), que, sendo anteriores ao casamento/união estável, não se comunicam, assim como as provenientes de ato ilícito (indenização decorrente de um crime praticado por um dos cônjuges, por exemplo) sendo que, nesse caso, há exceção quando o cônjuge é beneficiado pelo fruto do crime.

Voltando à questão dos salários e benefícios previdenciários, é importante ressaltar que mesmo que venham a ser pagos após o divórcio ou o falecimento, o cônjuge deve receber a sua parte, a título de meação, desde que se refiram ao período do casamento. 

Nesse ponto, cabe destacar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1651292, julgado em 19/05/2020, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

“PLEITO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO INDEFERIDO ADMINISTRATIVAMENTE E OBJETO DE AÇÃO JUDICIAL AJUIZADA DURANTE O MATRIMÔNIO, MAS QUE FOI OBJETO DE PAGAMENTO PELO INSS SOMENTE APÓS O DIVÓRCIO. COMUNHÃO E PARTILHA. POSSIBILIDADE. SEMELHANÇA COM AS INDENIZAÇÕES DE NATUREZA TRABALHISTA, COM VALORES ATRASADOS ORIGINADOS DE DIFERENÇAS SALARIAIS E VALORES DE FGTS. APOSENTADORIA PELA PREVIDÊNCIA PÚBLICA. PROVENTOS DO TRABALHO QUE SE REVERTEM AO ENTE FAMILIAR. PRESUNÇÃO DE COLABORAÇÃO, DE ESFORÇO COMUM DOS CÔNJUGES E COMUNICABILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS COMO FRUTO DO TRABALHO DE AMBOS. PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA E PREVIDÊNCIA SOCIAL. DESSEMELHANÇAS.

(…)

2- O propósito recursal é definir se deverá ser objeto de partilha o crédito previdenciário recebido pelo cônjuge em razão de trânsito em julgado de sentença de procedência de ação por ele ajuizada em face do INSS, por meio da qual lhe foi concedida aposentadoria por tempo de serviço.

3- As indenizações de natureza trabalhista, os valores atrasados originados de diferenças salariais e decorrente do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, quando referentes a direitos adquiridos na constância do vínculo conjugal e na vigência dele pleiteados, devem ser objeto de comunhão e partilha, ainda que a quantia tenha sido recebida apenas posteriormente à dissolução do vínculo. Precedentes.

4- A previdência privada fechada, por sua vez, é bem incomunicável e insuscetível de partilha por ocasião do divórcio, tendo em vista a sua natureza personalíssima, eis que instituída mediante planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas aos quais os empregados estão atrelados, sem se confundir, contudo, com a relação laboral e o respectivo contrato de trabalho. Precedente.

5- O crédito previdenciário decorrente de aposentadoria pela previdência pública que, conquanto recebido somente veio a ser recebido após o divórcio, tem como elemento causal uma ação judicial ajuizada na constância da sociedade conjugal e na qual se concedeu o benefício retroativamente a período em que as partes ainda se encontravam

vinculadas pelo casamento, deve ser objeto de partilha, na medida em que, tal qual na hipótese de indenizações trabalhistas e recebimento de diferenças salariais em atraso, a eventual incomunicabilidade dos proventos do trabalho geraria uma injustificável distorção em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens reservados frutos de seu trabalho e o outro não poderia tê-los porque reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho

6- Em se tratando de ente familiar e de regime matrimonial da comunhão parcial de bens, a colaboração, o esforço comum e, consequentemente, a comunicabilidade dos valores  recebidos como fruto de trabalho deve ser presumida.”

Cabe destacar, por fim, a previsão legal que fala dos bens que entram na comunhão parcial de bens:

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Comentando rapidamente cada uma das hipóteses: o inciso I refere-se aos bens adquiridos após o casamento ou a união estável, pouco importando se estão registrados (ou declarados para a Receita Federal) apenas no nome de um dos cônjuges. 

O “fato eventual” mencionado no inciso II refere-se a bens recebidos em sorteio ou loterias. 

Quando a herança ou doação for realizada expressamente em favor dos dois cônjuges, haverá comunhão também em relação a esses bens, conforme prevê o inciso III. 

Por fim, também as benfeitorias (valorização expressiva de imóvel decorrente de uma reforma, por exemplo) realizadas após o casamento ou união estável, ainda que em um bem particular, passam a ser consideradas como bens comuns, assim como os frutos dos bens particulares (como alugueis ou rendimentos de investimentos), conforme itens III e IV.


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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