Pense duas vezes antes de aceitar uma herança

Herança normalmente é sinônimo de aumento patrimonial, o que explica ser tão comum a ocorrência de conflitos entre os herdeiros.

A maioria das pessoas não sabe, contudo, que as dívidas do autor da herança também devem ser incluídas no acervo hereditário.

Isso não quer dizer, contudo, que existe herança de dívida. Aliás, esse tema já foi explorado aqui no Próxima Geração (clique aqui para acessar).

Ao afirmar que não existe herança de dívida, o que queremos dizer é que não há a possibilidade de os credores do falecido cobrarem os herdeiros após o falecimento do devedor originário, pelo simples fato de serem herdeiros.

No entanto, a legislação brasileira é clara ao estabelecer que:

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.

Ou seja, uma vez que os bens do falecido já tenham sido transferidos aos herdeiros, passa a ser deles a responsabilidade, dentro dos limites da herança e de forma proporcional ao seu quinhão, pelo pagamento dos débitos.

Para exemplificar, pensemos na hipótese em que três irmãos herdaram, do seu pai, um imóvel no valor de R$ 900.000,00, ou seja, houve acréscimo patrimonial de R$ 300.000,00 a cada um deles. Se, após finalizar o inventário, aparecer um credor alegando que o pai deles possuía uma dívida de R$ 600.000,00, cada filho responderá, no máximo, por R$ 200.000,00, não podendo o credor cobrar os R$ 600.000,00 de apenas um deles.

Também não pode o credor cobrar os R$ 300.000,00 de apenas um dos herdeiros, sob a alegação de que ele pode cobrar até o limite da herança recebida, pois, nesse caso, superaria a proporção do quinhão (que foi de um terço da herança, ou seja, do patrimônio e das dívidas).

Realizadas tais explicações, justifica-se o título deste post, na medida em que, ao aceitar a herança, passa o herdeiro a ficar responsável pelo adimplemento de eventuais dívidas.

A grande questão é que não necessariamente os credores se limitarão a exigir a entrega do bem que foi herdado, afinal o que interessa é o pagamento da dívida, preferencialmente em dinheiro (claro que dependerá da natureza da dívida, mas essa é a regra geral). 

Sendo assim, ao herdar um bem com pouca liquidez (um imóvel, por exemplo), o herdeiro poderá vir a ser impelido, pelos credores, a sacar valores de sua poupança ou outro investimento mais líquido, para adimplir o débito “herdado”.

Um caso interessante foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, há alguns anos, onde o único herdeiro aceitou, como herança, o bem imóvel onde morava com o seu pai. 

Finalizado o inventário, foi procurado por credores do autor da herança, e alegou que, pelo fato de o imóvel lhe servir de moradia, estaria protegido contra qualquer cobrança, por conta da impenhorabilidade do bem de família.

O problema, para o herdeiro, é que ele aceitou a herança, e com isso, nos termos do já citado artigo 1.997, do Código Civil, passou a responder pelas dívidas do autor da herança na proporção de seu quinhão (no caso, 100%) e do total da herança. 

Como o valor das dívidas superava o da herança, poderia ter sido mais vantajoso – e evitado muita dor de cabeça – simplesmente recusar a herança como um todo, evitando que o credor buscasse outros bens pessoais do herdeiro.

Para quem deseja se aprofundar no caso citado, segue transcrição da ementa e de alguns trechos do voto:

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. COBRANÇA DE DÍVIDA DO AUTOR DA HERANÇA. EXECUÇÃO MANEJADA APÓS A PARTILHA. ULTIMADA A PARTILHA, CADA HERDEIRO RESPONDE PELAS DÍVIDAS DO FALECIDO NA PROPORÇÃO DA PARTE QUE LHE COUBE NA HERANÇA, LIMITADA A SEU QUINHÃO HEREDITÁRIO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL HERDADO RESPEITADA. ADOÇÃO DE CONDUTA CONTRADITÓRIA PELA PARTE. INADMISSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 

1. A herança é constituída pelo acervo patrimonial ativo e passivo (obrigações) deixado por seu autor, respondendo o patrimônio deixado pelas dívidas até a realização da partilha. 

2. Ultimada a partilha, as dívidas remanescentes do de cujus são transmitidas aos herdeiros, que passam a responder pessoalmente, na proporção da herança recebida e limitadas às forças de seu quinhão

3. A impenhorabilidade do imóvel herdado, ainda que mantida, não afasta a sucessão obrigacional, decorrente, em última análise, da livre aceitação da herança

4. Recurso especial desprovido.”

“Essa sucessão passiva é justificada, uma vez que é o patrimônio do devedor a garantia do pagamento de suas dívidas, de modo que o art. 1.997 do CC/2002 determina que a herança responde pelas obrigações do falecido e será consumida se o valor do passivo superar o ativo deixado post mortem. Nesse cenário, assegura-se aos herdeiros e legatários o direito de aceitar ou recusar a herança deixada, porquanto seu recebimento impõe custos que, em hipóteses de passivo elevado, nem sequer resultam em acréscimo patrimonial para o herdeiro.

Com efeito, essa parece ser a hipótese dos autos. Segundo consta do acórdão e das razões do recurso, o de cujus teria deixado a título de herança tão somente o imóvel em que residia com seu filho (ora recorrente), e sua esposa (mãe do recorrente), e que seria insuficiente para a satisfação do passivo pendente, além de inalcançável em razão da impenhorabilidade do bem de família. É, portanto, incontroverso que, a despeito da pujança do passivo deixado pelo autor da herança, o recorrente aceitou o quinhão que lhe coube na condição de único herdeiro necessário.

(…)

Nesse compasso, convém esclarecer que a dívida posta em execução é de natureza pessoal, e não real, tampouco personalíssima. Desse modo, nunca esteve vinculada a um patrimônio específico e é transferida ao sucessor causa mortis sem transmutações quanto à sua essência. Tem-se, assim, que a responsabilidade do sucessor, ora recorrente, é pessoal, não se tratando mais da cobrança de uma dívida de terceiro, mas de uma responsabilização do próprio herdeiro, ainda que de valor e proporção limitados.

Por consequência, a responsabilidade pelas dívidas existentes não estará adstrita ao patrimônio transferido, mas tão somente limitada à proporção da parte que na herança lhe coube (que, no caso, corresponde a 100%), até a força do quinhão hereditário. Logo, ainda que o imóvel herdado seja protegido pela impenhorabilidade, a aceitação da herança operou contra o recorrente a responsabilização pessoal, dentro dos limites legais, razão pela qual, não sendo possível o alcance do bem herdado, nada obstará que outros bens respondam por aquela dívida.”

(RECURSO ESPECIAL Nº 1.591.288. Relator MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Julgado em 21/11/2017)

Trata-se de caso clássico em que a herança deixou de ser sinônimo de bonança, e passou a ser de transtornos, para o herdeiro, pois além de todos os custos envolvidos com o processo de inventário (ITCMD, emolumentos, etc.), recebeu um “passivo líquido” na exata proporção do imóvel (ativo com baixa liquidez) herdado.

Toda decisão jurídica, como é o caso da aceitação da herança, implica em direitos e deveres. Cabe ao herdeiro se certificar de que sabe exatamente quais serão os ônus e os bônus advindos da aceitação da herança e, assim, tomar a decisão que lhe garanta o melhor custo versus benefício.


Conheça o nosso Workshop Patrimônio Organizado, Família Protegida! A aula 1 já está liberada! Clique aqui para assistir agora mesmo.

Assine nossa Newsletter para receber, quinzenalmente, os destaques do Próxima Geração diretamente em seu e-mail!

Quer um guia prático para acessar sempre que tiver alguma dúvida sobre herança, testamento ou planejamento patrimonial e sucessório? Adquira nosso e-book!

Siga-me no Instagram (@felipezaleski) para mais conteúdo ligado a herança, testamento e planejamento patrimonial e sucessório.

Assine nossa newsletter!

Não enviamos spam. Seu e-mail está 100% seguro!

Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza Cookies e Tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência. Ao utilizar nosso site você concorda que está de acordo com a nossa Política de Privacidade.