Existe herança de dívida?

Muitos questionam a possibilidade de cobrar dívida dos herdeiros do devedor, caso os bens por ele deixados não sejam suficientes para quitá-la. A legislação (Código Civil), no entanto, não deixa dúvidas quanto à resposta:

Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

Podemos tirar duas conclusões principais da leitura desse dispositivo legal. A primeira delas é que não há possibilidade de o patrimônio dos herdeiros ser atingido pelos credores do autor da herança. A segunda é a importância da abertura do inventário, mesmo que não haja bens a serem partilhados, para comprovar a impossibilidade de quitação dos débitos, evitando, assim, a necessidade de os herdeiros serem importunados a todo momento por credores do falecido.

Outra consequência interessante para os herdeiros é que, havendo dívidas, mas também bens mais do que suficientes para cobri-las, só haverá a incidência do ITCMD sobre o saldo que restar, pois é esse valor que será efetivamente transmitido aos herdeiros. Alguns Estados, contudo, insistem na cobrança do imposto inclusive sobre as dívidas, o que tem sido rejeitado pelos tribunais, conforme decisão exemplificativa do Tribunal de Justiça de São Paulo, a seguir copiada:

Apelação Cível e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITCMD – O ITCMD deve incidir sobre o patrimônio líquido transmitido e não sobre a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo da herança – Inteligência dos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil – Precedentes – Existência de direito líquido e certo – Sentença de procedência mantida – Recursos desprovidos.

(Processo nº 1023527-72.2018.8.26.0053. Relator Desembargador Marrey Uint. Julgado em 12/02/2019)

Cabe também destacar que dívida não é sinônimo de inadimplência. É muito comum que no momento do falecimento existam bens que, apesar de estarem em nome do falecido, tenham restrições, como é o caso de financiamento de veículos ou de imóveis. Nessas situações, o valor restante para quitação do financiamento será também abatido do espólio. É importante lembrar que a maioria dos contratos de financiamento de imóveis conta com seguro que possibilita a quitação do bem no caso de falecimento, situação em que os herdeiros o receberão livre de qualquer ônus.

Outro caso benéfico para os herdeiros é na hipótese de o falecido ter contratado crédito consignado. Isso porque, ainda que apenas a primeira parcela do empréstimo tenha sido paga no momento do falecimento, a lei nº 1.046/50 prevê a extinção da dívida:

Art. 16. Ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha.

Apesar de ser contestado pelas instituições financeiras, os Tribunais brasileiros continuam aplicando essa previsão legal, criada em 1950, até os dias de hoje, conforme decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região a seguir transcrita:

CIVIL EMBARGOS À EXECUÇÃO EXTINÇÃO DE EMPRÉSTIMO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXTINÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PELA MORTE DO DEVEDOR. LEI Nº 1.046/50. DISPOSIÇÕES NÃO REVOGADAS PELA LEI Nº 10.820/2003.

1. Considerando que o contratante faleceu no curso regular do contrato, razão assiste aos embargantes quanto à previsão de extinção da dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha. Isto porque, com base no artigo 16 da Lei nº 1.046/50, ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha.

2. No caso, o titular do empréstimo consignado contratou o seguro prestamista cuja cobertura, segundo a CEF, teria amortizado apenas parte do saldo devedor do débito exequendo.

3. Ainda que não houvesse previsão contratual de seguro que favorecesse o consignante, por se tratar de um empréstimo em consignação, regido pela Lei nº 1.046/50, em caso de morte do devedor, a dívida deve ser extinta.

3. Essa lei não foi revogada no tocante à extinção da dívida no caso de falecimento do consignante. Ocorre que a Lei nº 10.820/2003, que posteriormente veio a dispor sobre autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, não abordou essa questão específica, que permanece em vigor.

4. Portanto, sendo norma de natureza especial, sobrepõe-se às disposições do Código Civil que determinam que os herdeiros do devedor falecido devem arcar com suas dívidas até o limite de seus quinhões (artigo 1997).

5. Apelação a que se nega provimento.

(Processo nº 0002209-59.2016.4.03.6143, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 26/06/2018)

Por fim, ressaltamos a possibilidade de o falecido ter deixado seguro de vida, que por sua própria natureza, não deve ser inventariado, razão pela qual o valor do prêmio deve ser creditado diretamente ao(s) beneficiário(s). Tratamos especificamente sobre o tema neste post.

Percebe-se, assim, que mesmo no caso de o autor da herança ter deixado dívidas é imprescindível que os herdeiros busquem profissional especializado para avaliar todas as medidas cabíveis no caso concreto, de modo a garantir que o patrimônio da próxima geração não seja indevidamente perdido.

Se você aprendeu alguma coisa nova a partir da leitura desse artigo ou tem alguma dúvida sobre a relação entre as dívidas do falecido e a herança, deixe seu comentário!


Conheça o nosso Workshop Patrimônio Organizado, Família Protegida! A aula 1 já está liberada! Clique aqui para assistir agora mesmo.

Assine nossa Newsletter para receber, quinzenalmente, os destaques do Próxima Geração diretamente em seu e-mail!

Quer um guia prático para acessar sempre que tiver alguma dúvida sobre herança, testamento ou planejamento patrimonial e sucessório? Adquira nosso e-book!

Siga-me no Instagram (@felipezaleski) para mais conteúdo ligado a herança, testamento e planejamento patrimonial e sucessório.

Fontes consultadas para elaboração deste post:

Migalhas:

Caixa não pode cobrar empréstimo consignado de aposentada falecida

ITCMD deve incidir sobre patrimônio após descontadas as dívidas

Jusbrasil

Crédito da imagem: Negócio vetor criado por freepik – br.freepik.com

Assine nossa newsletter!

Não enviamos spam. Seu e-mail está 100% seguro!

Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza Cookies e Tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência. Ao utilizar nosso site você concorda que está de acordo com a nossa Política de Privacidade.