Justa causa testamentária
Todo planejamento que se preze precisa antecipar problemas que podem vir a ocorrer no futuro.
Ao planejar uma viagem, é preciso pensar em que imprevistos poderão ocorrer (contratar um seguro viagem costuma ser uma boa opção). O mesmo se aplica à organização de uma festa de casamento (contratar um gerador de energia elétrica: outra boa opção).
Não poderia ser diferente quando o assunto é planejamento sucessório. Uma das ferramentas mais eficazes, e que está à disposição de todos os brasileiros, é a elaboração de um testamento. O simples fato de decidir elaborar um testamento já é um ato de planejamento sucessório, pois o testador se obriga a pensar em quem será contemplado com os bens adquiridos ao longo de toda uma vida de trabalho.
Muitas vezes, contudo, é preciso ir além. Definir quem será o beneficiário de seus bens pode não ser suficiente. É necessário pensar sobre o que acontecerá com os bens após a sua integração ao patrimônio do herdeiro: o beneficiário do testamento possui dívidas? Se sim, de que natureza? É casado? Se sim, qual é o regime de bens? O cônjuge está endividado, ou corre grande risco de um dia vir a estar?
A depender das respostas, pode ser interessante a inclusão, no testamento, das chamadas cláusulas restritivas: impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade. O doutrinador Sílvio Venosa¹ traz exemplo bastante didático em que a utilização desse recurso pode ser interessante:
“O testador pode temer pelo casamento do herdeiro, quer numa união que ele já conheça, já existente quando a elaboração do testamento, quer numa união futura, desconhecida do disponente. Pela cláusula de incomunicabilidade, os bens assim gravados não se comunicam ao cônjuge do herdeiro, não importando qual seja o regime de bens do casamento. Enfim, temendo que seu herdeiro venha a consorciar-se com um ‘caça-dotes’, o bem incomunicável fica pertencendo só a ele.”
Já falamos sobre as três cláusulas aqui no Próxima Geração. O post de hoje é, de certo modo, complementar àquele, pois mencionaremos uma exigência específica relacionada à inserção dessas cláusulas no testamento.
Essa exigência vem da lei. Mais especificamente, do artigo 1.848, do Código Civil, que prevê:
“Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.”
Ao nosso ver, o objetivo do legislador foi impedir que o direito de propriedade sobre os bens da legítima – metade do patrimônio do autor da herança que pertencem aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro) – fossem limitados de forma leviana, por mero capricho, pelo testador.
De todo modo, tem prevalecido o entendimento, entre os estudiosos do direito das sucessões, que não é necessário, para atender à exigência da lei, que o testador se aprofunde em sua justificativa.
Seria suficiente, por exemplo, uma explicação genérica de que o intuito de gravar a legítima com as cláusulas restritivas é a proteção do patrimônio em benefício do próprio herdeiro, sendo que alguns, inclusive, defendem que pode ser extraída do contexto do próprio testamento.
A inexistência de justificativa pode gerar a nulidade das cláusulas restritivas, permanecendo válidas, de todo modo, as demais disposições testamentárias.
O conhecimento das condições de validade das cláusulas testamentárias é fundamental para que um bom planejamento possa vir, de fato, a produzir os efeitos pretendidos pelo autor da herança.
Você já sabia da existência da chamada justa causa testamentária? Acha que faz sentido essa exigência? Deixe seu comentário!
¹(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões – 4° ed. São Paulo: Atlas, 2004, 221) – Citação extraída do artigo de Mário Delgado no site Conjur)
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