A importância das cláusulas restritivas

É bastante comum em planejamentos patrimoniais e sucessórios a instituição de cláusulas restritivas (impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade), tanto no caso de elaboração de testamento ou doação em vida. O objetivo comum das três cláusulas é a preservação do patrimônio. Neste post explicaremos como elas funcionam e analisaremos situações em que essas previsões não produzem efeitos.

Cláusula de impenhorabilidade

A restrição à penhora é instituída com duplo objetivo: evitar que o donatário (quem recebe o bem) ou beneficiário do testamento possam indicar o bem recebido como garantia em processo judicial (ou hipotecá-lo, por exemplo); e também evitar que futuros credores possam requerer que o bem seja leiloado para quitar dívidas.

É importante ressaltar a importância de o bem ingressar no patrimônio antes de o donatário ficar inadimplente, sob pena de a cláusula perder seu efeito por ser considerada uma fraude contra os credores.

Cláusula de incomunicabilidade

Essa restrição tem por objetivo impedir que o bem doado ingresse no patrimônio do cônjuge do donatário, independentemente do regime de bens escolhido pelo casal, garantindo a sua manutenção na família do doador ou testador.

Cláusula de inalienabilidade

Já a inalienabilidade é instituída com o objetivo de impedir que o herdeiro ou donatário vendam o bem. Justamente por essa característica, essa é a cláusula restritiva mais abrangente, que inclusive engloba as outras duas, como previsto no Código Civil:

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Cabe reforçar que o contrário não é verdadeiro, ou seja, é possível a instituição de cláusula de impenhorabilidade ou incomunicabilidade, sem incluir a restrição à alienação do bem.

Limites das cláusulas restritivas

As restrições impostas pelo testador ou doador não são ilimitadas. Além da hipótese já mencionada (de dívidas pré-existentes), há outros casos em que, principalmente, a impenhorabilidade é relativizada.

O primeiro deles é em relação às dívidas trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho já decidiu que imóveis recebidos pelo executado com cláusula de impenhorabilidade antes mesmo do ajuizamento da ação trabalhista podem ser penhorados para pagamento de débitos em execução da justiça do trabalho. Veja notícia da decisão neste link.

Do mesmo modo, tem prevalecido o entendimento nos Tribunais, com base na Lei de Execuções Fiscais, que a cláusula de inalienabilidade não pode ser utilizada para impedir a penhora de bens no caso de cobrança de dívidas tributárias. A título de exemplo, copiamos a seguinte decisão, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. BEM GRAVADO COM CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE. INOPONIBILIDADE AOS CRÉDITOS FISCAIS. Nas execuções regidas pela Lei nº 6.830, de 1980, a totalidade dos bens e rendas do devedor está sujeita à satisfação do crédito, “inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis”.

(TRF4, AC 5004978-61.2016.4.04.7101, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 04/09/2018)

A exceção, nesse caso envolvendo débitos fiscais, seria em relação à cláusula de incomunicabilidade, pois nesse caso o bem nunca chega a ingressar no patrimônio do devedor, como o mesmo TRF4 já decidiu:

EMBARGOS DE TERCEIRO. REMESSA OFICIAL CONSIDERADA INTERPOSTA. ESCRITURA PÚBLICA. DOAÇÃO EM BENEFÍCIO DE APENAS UM DOS CÔNJUGES. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. INCOMUNICABILIDADE. ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

(…)

3. Considerando que o regime de bens adotado com o casamento foi o da comunhão parcial e tendo em vista que o bem doado em benefício de apenas um dos cônjuges não faz parte do patrimônio comum do casal, chega-se à conclusão de que o imóvel penhorado pertence a pessoas alheias à execução fiscal.

(…)

(TRF4, AC 5010891-66.2012.4.04.7100, PRIMEIRA TURMA, Relator JOEL ILAN PACIORNIK, juntado aos autos em 13/06/2013)

Mas, se nos casos de dívidas fiscais e trabalhistas as cláusulas restritivas não produzem efeito, em que situação elas podem ser utilizadas de fato? A resposta é em praticamente todos os outros casos, como, por exemplo, execução de dívida por banco, como demonstra a recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo a seguir transcrita:

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPUGNAÇÃO À PENHORA. ACOLHIMENTO. MANUTENÇÃO. IMÓVEIS DOADOS AOS EXECUTADOS MUITO TEMPO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO, COM CLÁUSULAS RESTRITIVAS (inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade) E RESERVA DE USUFRUTO. MORTE DOS DOADORES QUE CULMINA NA EXTINÇÃO DO USUFRUTO, MAS NÃO NO CANCELAMENTO DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS, INSTITUÍDAS EM FAVOR DOS DONATÁRIOS.

A morte dos doadores leva à extinção apenas do usufruto, e não das cláusulas restritivas do imóvel doado. As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade são instituídas em benefício do donatário, não se confundindo com a cláusula de usufruto, instituída em benefício do doador. Assim, falecido o doador, automaticamente sem efeito se torna a cláusula de usufruto, mas o mesmo não ocorre com as cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, as quais permanecem válidas. Observada a finalidade protetiva da instituição das cláusulas pelos doadores, elas permanecem vigentes enquanto viverem os donatários beneficiários.

Agravo não provido.

(TJSP. Processo nº º 2302424-10.2020.8.26.0000. Relatora Sandra Galhardo Esteves. Julgado em 12/03/2021)

Referida decisão, além de garantir a aplicação das cláusulas restritivas, ainda afastou (corretamente, na nossa opinião) a tese do banco de que o falecimento do doador implicaria na extinção, além do usufruto, também das restrições, o que evidentemente não procede.

Percebe-se, portanto, que a instituição das cláusulas restritivas pode sim ser de extrema importância para a proteção do patrimônio, devendo, contudo, ser utilizadas de forma correta no contexto do planejamento patrimonial e sucessório e com a ciência de que seus efeitos não são absolutos.

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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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