STJ invalida testamento particular sem testemunhas

Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça não reconheceu a validade de testamento particular que não contou com a assinatura de testemunhas, como exige a legislação brasileira.

Como destacamos nesse post, tem sido comum a flexibilização de algumas formalidades no testamento, mas, no caso julgado recentemente pelo STJ, o Tribunal entendeu não ter sido possível confirmar a veracidade da autoria do documento, como ficou registrado na ementa da decisão:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ABERTURA, REGISTRO E CUMPRIMENTO DE TESTAMENTO PARTICULAR ESCRITO DE PRÓPRIO PUNHO. DESCUMPRIMENTO DE FORMALIDADES LEGAIS. DÚVIDAS QUANTO A REAL VONTADE

DO TESTADOR. IMPOSSIBILIDADE DE CONFIRMAÇÃO JUDICIAL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. As formalidades do testamento estabelecidas na lei têm por finalidade garantir a preservação da primazia da vontade do testador,não constituindo um fim em si mesmas.

2. Admite-se, por exemplo, que o testamento particular escrito de próprio punho pelo de cujus, mas sem testemunhas, seja confirmado judicialmente quando houver indicação, na própria cédula, de circunstâncias excepcionais capazes de dispensar essa formalidade legal (art. 1.876 do CC/02).

3. No caso, porém, faltaram testemunhas presenciais do ato e não foi declarada nenhuma circunstância excepcional justificadora.
4. Além disso, não é possível visualizar com segurança se o conteúdo do documento apresentado corresponde de fato à vontade do testador, pois ele não assinou todas as folhas do respectivo instrumento e porque o confeccionou em mais de uma assentada.
5. Incabível, dessa forma, conferir validade a essa manifestação de última vontade.
6. Recurso especial não provido.

(RECURSO ESPECIAL No 2.000.938 – SP. Relator do acórdão MINISTRO MOURA RIBEIRO. Julgado em 08/08/2023)

O curioso, nesse caso, é que a Ministra Relatora, Nancy Andrighi, havia dado solução diferente para o caso, optando por “converter” o testamento em codicilo (leia esse post para entender o que é um codicilo), pois entendeu que os bens mencionados no testamento eram de “pequena monta”. No entanto, seu voto não prevaleceu. Veja a ementa que havia sido sugerida pela Ministra:

EXCEPCIONAL. CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL JUSTIFICADORA. INEXISTÊNCIA. FLEXIBILIZAÇÃO DO REQUISITO. IMPOSSIBILIDADE. FORMALIDADE INERENTE À MODALIDADE TESTAMENTÁRIA EXCEPCIONAL. REQUALIFICAÇÃO JURÍDICA DO DOCUMENTO REPRESENTATIVO DA MANIFESTAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE. CODICILO. POSSIBILIDADE, SE PRESENTES SEUS REQUISITOS. BENS DE PEQUENA MONTA E DE REDUZIDO VALOR PATRIMONIAL. EXISTÊNCIA APENAS DE HERDEIROS COLATERAIS, SUSCETÍVEIS DE EXCLUSÃO POR TESTAMENTO OU CODICILO, DIANTE DO REDUZIDO ACERVO HEREDITÁRIO. PRESERVAÇÃO DA INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE DO FALECIDO. PROVA TESTEMUNHAL UNÍSSONA.

(…)

3- Quando nenhuma circunstância concreta extrema for efetivamente descrita ou for apurada no curso do processo judicial, é inviável, em princípio, a flexibilização das formalidades inerentes ao testamento particular excepcional, cuja característica é, justamente, a dispensa de alguma das formalidades ínsitas às demais modalidades testamentárias.

4- É admissível a requalificação jurídica do documento representativo da manifestação de última vontade deixado pelo falecido, de testamento particular para codicilo, desde que estejam presentes os requisitos essenciais para a configuração desta última modalidade, como a disposição de bens de pequena monta e diminuto valor patrimonial.

5- Hipótese em que é incontroverso que o falecido não desejava deixar seus bens (de valor econômico muito reduzido – alguns utensílios domésticos, aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos, roupas, coleções de filmes, livros, pinturas, quadros e bebidas) aos seus familiares, herdeiros colaterais que poderiam ser por ele excluídos da sucessão por testamento (art. 1.850 do CC/2002) e, pelas mesmas razões, por codicilo, mas, sim, deixar os referidos bens, em sua grande maioria, à biblioteca municipal, a asilos, a museus e a entidades assistenciais.

6- A requalificação jurídica do documento representativo da manifestação de última vontade, de testamento para codicilo, respeita e concretiza a vontade do testador, especialmente quando respaldada por uníssona prova testemunhal.

Percebe-se, assim, que não houve divergência em relação à impossibilidade de validação do testamento, pois, além de não haver testemunhas, o testador não justificou a ausência desse requisito de validade do documento. A divergência se limitou à questão da conversão do testamento em codicilo.

Dadas as circunstâncias do caso, onde as testemunhas haviam confirmado que a letra era do testador, e considerando a inexistência de herdeiros necessários, na nossa visão o voto da Ministra Nancy Andrighi deveria ter prevalecido, privilegiando-se a real vontade do testador em detrimento de formalismos exacerbados (afinal de contas, as testemunhas testamentárias foram, na prática, substituída pelas testemunhas ouvidas no processo).

De todo modo, trata-se de precedente que reforça a importância de o testador estar atento às formalidades exigidas pela lei, sob pena de, no futuro, os herdeiros por ele escolhidos terem dificuldades para confirmar a validade jurídica do documento.

Qual a sua opinião sobre o caso? Concorda que deveria ter prevalecido o voto da Ministra Nancy, ou o voto do Ministro Moura Ribeiro mereceu ter sido o vencedor? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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