Como fazer partilha em vida?

Pouco utilizada no contexto de planejamentos sucessórios, a partilha em vida é um instituto jurídico previsto no art. 2.018, Código Civil brasileiro, que assim prevê:

Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários. 

Em um primeiro momento, podemos pensar que esse dispositivo legal afrontaria o art. 426, que trata da proibição do pacta corvina, ou seja, a celebração de contrato envolvendo herança de pessoa viva.

Ocorre que a partilha em vida não diz respeito à “herança de pessoa viva”, e sim sobre a distribuição de patrimônio entre os descendentes.

É importante destacar que a lei possibilita a partilha apenas dos ascendentes. Os doutrinadores, em geral, entendem que, por conta dessa limitação, a partilha em vida pode ser realizada apenas pelos pais aos filhos e pode incluir apenas os herdeiros necessários.

David Soares da Silva* ensina, sobre esse instituto, que:

“Para que a partilha tenha validade, é imprescindível que ela abranja a totalidade dos herdeiros necessários e que dos atos de partilha (i) se mencione a participação de todos os herdeiros; (ii) seja consignado que todos os herdeiros estão de acordo; (iii) conste que a totalidade do patrimônio esteja sendo partilhada e; (iv) que a legítima esteja sendo respeitada.”

Outro ponto digno de destaque é o fato de, apesar de os requisitos de validade inerentes à doação precisarem ser cumpridos, a partilha em vida não se confunde com esse instituto jurídico.

Quando falamos em doação de ascendentes para descendentes no âmbito de um planejamento sucessório, obrigatoriamente estamos falando de adiantamento de herança, por conta da previsão do art. 544, do Código Civil. 

Uma das principais consequências desse fato é a necessidade de, posteriormente, o bem doado em vida ser levado à colação (quando não há a especificação de que teria saído da parte disponível do patrimônio) no inventário.

O grande detalhe, aqui, é que, segundo o Código de Processo Civil (art. 639, parágrafo único), “os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.”

Em um exemplo prático, caso Paulo tenha doado um imóvel de R$ 500.000,00 para cada um de seus dois filhos, em 2010, sem especificar que saíram da parte disponível de seu patrimônio, caso, na data de seu falecimento em 2024, por exemplo, um deles esteja valendo R$ 2 milhões e outro apenas R$ 1 milhão, essa discrepância será compensada no inventário, momento em que os bens serão levados à colação.

Por outro lado, caso Paulo tivesse feito partilha em vida, não haveria que se falar em colação dos bens. Até mesmo por isso, um dos requisitos para a realização de partilha em vida é a concordância de todos os herdeiros com o plano de partilha proposto pelo ascendente (o que não existe na doação), o que talvez explique a baixa popularidade desse instituto jurídico nos planejamentos sucessórios das famílias brasileiras.

Em suma, o passo a passo para quem pretende realizar partilha em vida é:

  • Chegar a um acordo com os descendentes sobre qual(is) bem(ns) ficará(ão) com cada um, lembrando sempre de respeitar a legítima;
  • Assinar uma escritura pública dispondo como se dará a partilha;
  • Reservar usufruto para evitar a incidência do art. 548**, do Código Civil;

É altamente recomendável que toda a operação seja supervisionada por um advogado com experiência em direito sucessório.

Você já conhecia a possibilidade de ser realizada a partilha em vida, que não se confunde com doação em vida? Deixe seu comentário!

*SOARES DA SILVA, David, et al. Planejamento Patrimonial: família, sucessão e impostos. São Paulo, Editora B18, 2022. p. 233.

** Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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