Contrato de namoro e planejamento sucessório

Repercutiu, na última semana, na internet, a declaração dada pelo jogador do Palmeiras, Endrick, e sua namorada, em um podcast, que teriam assinado um contrato para estabelecer as regras do seu namoro.

Embora não tenha previsão legal, e não saibamos ao certo se o objetivo do casal em questão é este, o fato é que o contrato de namoro costuma ser utilizado para evitar a caracterização de uma união estável, razão pela qual a sua celebração pode gerar impacto no momento da partilha da herança (ou do divórcio) de um dos contratantes, visto que um simples namoro não gera repercussões patrimoniais entre os que estão nele envolvidos.

De acordo com o art. 1.723, do Código Civil, a união estável será configurada quando houver “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Considerando que os namoros costumam ser públicos, contínuos e duradouros, chegamos à conclusão de que o contrato precisa deixar clara a ausência do objetivo de constituição de família. Embora seja matéria bastante subjetiva, o Superior Tribunal de Justiça nos proporcionou algumas diretrizes importantes ao julgar o Recurso Especial n. 1.454.643/RJ:

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS⁄NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA . NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.

1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento.

2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem  (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável.

2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.

3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente –, o propósito de  constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento.

4.  Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família.

A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados⁄noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento.

4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido.  Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem.

5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.

Ou seja, discutia-se, no caso em questão, se nos dois anos que antecederam o casamento o casal já vivia em união estável, caso em que os bens adquiridos por um deles já se comunicaria com o patrimônio do outro (eis que o regime de bens padrão na união estável é o da comunhão parcial), ou se a relação era apenas de namoro.

O Ministro Relator, Marco Aurélio Bellizze, descreveu o propósito de constituir família como o “efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros.”

A diferença do namoro para a união estável, portanto, é que naquele há uma mera expectativa de que o relacionamento, um dia, evolua para o compartilhamento efetivo de vidas, enquanto que, na união estável, essa característica já existe.

A grande questão é que o documento precisa refletir o que acontece no “mundo dos fatos”. De nada adianta a assinatura do documento se, na prática, o casal acaba demonstrando, dada a dinamicidade inerente aos relacionamentos humanos, que há intenção de se criar uma família, visto que os efeitos jurídicos do contrato de namoro podem ser afastados por meio de uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável.

De todo modo, independentemente da possibilidade de vir a ter sua validade questionada, o fato é que o contrato de namoro pode ser uma ferramenta acessória em um planejamento patrimonial e sucessório.


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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