Há ITCMD sobre distribuição desproporcional de lucros?

Tem ganhado força, nos últimos meses, a discussão sobre a incidência, ou não, do ITCMD, tributo que incide sobre heranças e doações, no caso de distribuição desproporcional de lucros entre os sócios de uma empresa, situação bastante comum, inclusive no contexto das holdings familiares.

A possibilidade de distribuir desproporcionalmente os lucros está prevista no art. 1.007, do Código Civil, que dispõe:

Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.

A distribuição desproporcional ocorre sempre que um dos sócios recebe lucros superiores aos que ele teria direito por conta de sua participação na sociedade. Em um exemplo prático: se João possui 50% da Holding XYZ e, em determinado mês, recebeu, por qualquer motivo, 80% dos lucros contabilizados pela empresa, houve uma distribuição desproporcional dos lucros da holding.

A Receita Federal eventualmente alega, em fiscalizações, que a diferença entre a porcentagem à qual o sócio teria direito, decorrente de sua participação societária, e o valor que foi efetivamente distribuído, deveria ser submetida à tributação do Imposto de Renda e das contribuições previdenciárias, alegando que se trataria de rendimento tributável.

O CARF, órgão interno da própria Receita Federal que julga recursos administrativos interpostos contra as autuações fiscais, contudo, tem se manifestado pela legalidade das distribuições desproporcionais de lucros, desde que haja previsão no contrato social e que a empresa efetivamente tenha lucro contábil a ser distribuído.

A título de exemplo, transcreve-se a seguinte ementa:

DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS DESPROPORCIONAL À PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. SOCIEDADE DE MÉDICOS. LIBERDADE DE PACTUAÇÃO. CONTABILIDADE E CONTRATO SOCIAL REGULARES. LUCROS RECEBIDOS E EFETIVADOS.

Não há vedação legal no que se refere à distribuição desproporcional de lucros em relação à participação social, nas sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissões regulamentadas, quando o contrato social for claro ao dispor sobre tal distribuição, e os registros contábeis contabilizarem regularmente o lucro.

(Acórdão 2201-012.005. Relator Conselheiro Fernando Favacho. Julgado em 04/02/2025)

Do ponto de vista da tributação federal, portanto, a princípio há, atualmente, relativa segurança jurídica quanto à isenção tributária total da distribuição desproporcional de lucros, desde que respeitados os dois requisitos mencionados anteriormente.

O buraco, contudo, é muito mais embaixo.

Alguns Estados têm considerado que esse tipo de operação configura uma doação da empresa para o sócio, visto que juridicamente não haveria motivo para distribuir um lucro maior do que a sua participação societária, caracterizando um ato de liberalidade, que, consequentemente, seria fato gerador do ITCMD.

A discussão não é exatamente nova, mas tem ganhado força por conta da ampliação das hipóteses de fatos geradores do ITCMD em uma das leis complementares que visam regulamentar a Reforma Tributária aprovada no final do ano de 2023.

A redação original do PLP 108/24 previa o seguinte, em seu art. 160:

§ 5º Consideram-se, ainda, como doações, para fins da incidência do ITCMD, em transmissões entre pessoas vinculadas:

I – os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados;

Como era de se esperar, esse ponto causou polêmica e acabou sendo retirado do texto final do projeto aprovado na Câmara dos Deputados, o que definitivamente foi um bom sinal para os contribuintes.

Entretanto, no final de 2024, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um Mandado de Segurança de forma favorável ao Estado de São Paulo, entendendo pela incidência do ITCMD em um caso onde se discutia se uma distribuição desproporcional de lucros seria doação. Extrai-se do voto do Desembargador Relator:

“Ora, ainda que a legislação permita que os sócios definam no contrato a hipótese de distribuição desproporcional de dividendos/lucros, fato é que deve haver uma razão negocial para tanto, sob pena de se caracterizar como mera liberalidade, característica intrínseca da operação de doação.

E, no caso em debate, de fato, restou caracterizada a liberalidade pelos seguintes aspectos: (i) restou comprovado documentalmente especialmente pelas sucessivas alterações contratuais e instrumento particular de doação integral das cotas pelos genitores que detinham 98% da sociedade – que a distribuição desproporcional de dividendos ocorreu por mera vontade dos genitores, que cederam substancial parte de seus dividendos para os seus filhos que, na época, sequer eram sócios-administradores para justificar uma atuação excepcional a ser recompensada com a distribuição atípica, haja vista que a alteração contratual ocorreu apenas em 04/10/2017 (fls. 132/145); e, (ii) intimados a comprovar a razão negocial, o impetrante e sua irmã limitaram-se a alegar que seria uma forma de compensar financeiramente o fato de terem atuado como administradores da empresa (fls. 41/42), embora não detivessem tal qualidade à época, a qual foi a eles conferida somente após a distribuição desproporcional.”

(Processo n. 1089011-58.2023.8.26.0053. Relator Paulo Barcellos Gatti. Julgado em 16/12/2024)

Ou seja, percebe-se que, na situação analisada pelo TJSP, tratava-se de um efetivo planejamento sucessório da família, onde, após a distribuição desproporcional de quase R$ 50 milhões de reais (e consequente redução do patrimônio líquido da empresa, base de cálculo do ITCMD), as quotas dos pais foram doadas aos filhos em sua totalidade, tendo havido a reserva de usufruto dos direitos políticos e econômicos. 

O caso, portanto, acabou chamando a atenção pelos valores vultosos e por ficar muito claro que a distribuição desproporcional ocorreu no contexto de um planejamento sucessório (sendo o ITCMD um tributo intrinsecamente ligado à sucessão patrimonial de modo geral).

De todo modo, o fato é que o precedente serve de alerta para que as empresas (e, em especial, as famílias) tomem alguns cuidados antes de proceder à distribuição desproporcional dos lucros, como:

  1. Garantir que haja previsão no contrato social;
  2. Assegurar que exista lucro contábil a ser distribuído;
  3. Formalizar, em uma ata da reunião de quotistas, os motivos pelos quais a distribuição está sendo realizada de forma desproporcional (em uma sociedade de advogados, por exemplo, o sócio que trouxe determinado cliente pode ter direito, em decorrência do acordo de sócios, a receber uma porcentagem maior daqueles honorários), de modo a evitar a caracterização da mera liberalidade, devendo haver uma motivação econômica ou estratégica por trás da decisão;

Os Fiscos Estaduais estão cada vez mais atentos às operações envolvendo empresas em que pais e filhos são sócios (como é o caso das holdings familiares), de modo que é imprescindível consultar um advogado e um contador com experiência em planejamentos sucessórios para evitar problemas no futuro.

Qual é a sua opinião sobre a incidência do ITCMD sobre distribuições desproporcionais de lucros? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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