ITCMD não incide sobre VGBL

Um dos principais elementos que costuma dificultar a vida dos herdeiros é a carga tributária incidente sobre a herança, por conta do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Como o próprio nome indica, esse imposto é devido por ocasião da transferência não onerosa (ou seja, gratuita) de patrimônio, seja via doação ou em decorrência do falecimento.

Aqui, no Próxima Geração, já falamos sobre diversas formas de planejamento patrimonial e sucessório, que podem, inclusive, trazer economia ou, no mínimo, uma melhor gestão tributária, como no caso da utilização de fundos fechados, que abordamos aqui neste post.

Uma das ferramentas que podem ser usadas para planejar a transmissão de patrimônio à geração seguinte da família, e que está à disposição de todos os brasileiros, é a previdência privada. Já falamos sobre esse mecanismo neste post e também neste.

Na última semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº  1.961.488/RS, criou precedente quanto à não incidência do ITCMD sobre valores recebidos pelos herdeiros em decorrência do falecimento de alguém que era titular de plano de previdência privada na modalidade VGBL (Vida Gerador Benefícios Livres) individual.

O STJ entendeu que o VGBL tem natureza jurídica de seguro de vida, fato que dispensa sua inclusão no inventário do autor da herança, pois quem tem direito ao recebimento desses valores não são os herdeiros legais ou testamentários, e sim quem o titular do plano de previdência previamente definiu.

Ou seja, além do benefício tributário, o VGBL pode ser usado como forma de transmitir o patrimônio para quem não seria naturalmente herdeiro, ou, caso já fosse herdeiro, não poderia receber o valor todo por conta da legítima (nome dado aos 50% da herança que devem ser destinados aos herdeiros necessários – descendentes, ascendentes ou cônjuge/companheiro).

Percebe-se, assim, que a previdência privada tem se tornado um instrumento cada vez mais completo de planejamento sucessório, devendo, por isso, ser uma opção a ser considerada por quem deseja, além de complementar a própria aposentadoria, organizar a sua sucessão.

Para os que desejam entender melhor os fundamentos jurídicos que levaram o STJ a interpretar pela não incidência do ITCMD sobre VGBL, analisaremos a questão, de forma um pouco mais técnica, a partir de agora.

O seguinte trecho da ementa do acórdão resume bem a discussão que foi posta aos Ministros:

“Em termos lógicos, o acórdão recorrido está estruturado em três premissas: i) o ITCMD incide sobre a transmissão causa mortis, isto é, sobre os bens que se transmitem pela sucessão hereditária; ii) o art. 794 do CC/2002 estabelece que o seguro de vida, para todos os efeitos, não se considera herança; e iii) o VGBL consiste em seguro de vida. É da conjugação dessas três premissas que a Corte extraiu a conclusão de que o VGBL não pode ser tributado pelo ITCMD. Revela-se patente, pois, que a discussão central do presente feito gira em torno da correta interpretação do art. 794 do CC/2002, dispositivo que o Tribunal de origem fez incidir, na espécie, e que o Estado do Rio Grande do Sul pretende afastar, no Recurso Especial.”

O artigo 794, do Código Civil, mencionado no trecho copiado acima, estabelece que:

“Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.”

Como a redação da lei é clara, não há dúvidas de que o seguro de vida não pode ser considerado herança. Resta saber, assim, se o VGBL pode ser equiparado, ou não, ao seguro de vida. Nesse ponto, a ementa do acórdão do STJ fundamentou que:

“Consoante esclarece a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro, “o VGBL Individual – Vida Gerador de Benefício Livre é um seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização, ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único, em função de sua sobrevivência ao período de diferimento contratado“.

E, ainda:

“Embora tratando de questão tributária diversa, a Segunda Turma do STJ, no REsp 1.583.638/SC (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 10/08/2021), já teve a oportunidade de assentar que o plano VGBL constitui espécie de seguro. Também tratando de questão diversa, a saber, a constitucionalidade da cobrança de alíquotas diferenciadas de CSLL para empresas de seguros, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.485/DF (Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, DJe de 03/07/2020), já teve a oportunidade de afirmar, em obiter dictum, a natureza securitária do VGBL. (…)
Reforça tal compreensão o disposto no art. 79 da Lei 11.196/2005, segundo o qual, no caso de morte do segurado, “os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante.”

A conclusão categórica à qual chegou o acórdão relatado pela Ministra Assusete Magalhães foi, portanto, de que:

“Não integrando a herança, isto é, não se tratando de transmissão causa mortis, está o VGBL excluído da base de cálculo do ITCMD.”

Por fim, o acórdão faz duas ressalvas:

  • A natureza securitária se aplica apenas após o término do período de diferimento (ou seja, acumulação) do plano de previdência privada, pois antes disso a natureza jurídica é de investimento (como ressaltamos em post recente, cuja leitura foi indicada no início deste artigo).
  • A administração tributária dos Estados da Federação pode questionar eventual abuso praticado se perceber manobras suspeitas, ou seja, realizadas com o intuito de desvirtuar a previdência privada apenas para “fugir” do pagamento do ITCMD.

Trata-se de precedente, além de bem fundamentado e tecnicamente irretocável, bastante importante para garantir maior segurança jurídica aos titulares de planos de previdência privada.


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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