STF analisará se separação obrigatória de bens é constitucional
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que irá analisar a constitucionalidade do artigo do Código Civil que obriga todos com mais de 70 anos de idade a se casarem, ou constituírem união estável, a seguir o regime da separação obrigatória de bens, conforme noticiado na imprensa em geral.
Esse tema não é novidade na legislação brasileira. O Código Civil de 1916 assim já previa:
Art. 258. Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens, entre os cônjuges, o regime da comunhão universal.
Parágrafo único. É, porém, obrigatório o da separação de bens no casamento: (…)
II. Do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos.
O Código de 2002, originalmente, estabelecia a idade mínima, para a obrigatoriedade da separação de bens, os 60 anos, unificando a exigência para homens e mulheres. No ano de 2010, contudo, a idade foi majorada para 70 anos (provavelmente em função do aumento da expectativa de vida no Brasil), permanecendo assim até hoje.
O grande objetivo do legislador, ao relativizar o princípio da autonomia da vontade das partes dessa forma, é o de resguardar os interesses dos herdeiros (na maior parte dos casos, dos filhos de outro relacionamento do idoso) e evitar o casamento ou união estável movidos puramente por interesses econômicos.
Isso porque, ao contrário do que ocorre nos outros regimes, incluindo no da separação total de bens, na separação obrigatória o cônjuge sobrevivente não é, em regra, considerado como herdeiro e nem como meeiro.
A exceção fica por conta da hipótese da Súmula nº 377, do STF, de onde se extrai que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), contudo, entende que para haver a comunicação dos bens (o que proporcionaria o direito à meação ao cônjuge sobrevivente), é necessária prova do chamado “esforço comum”. A regra geral, nos outros regimes de bens, é a presunção de que um bem adquirido na constância do casamento foi fruto do trabalho dos dois cônjuges ou companheiros.
Aliás, no final do ano de 2021, o STJ decidiu que os cônjuges que são obrigados a casar pela separação de bens podem estipular a incomunicabilidade até mesmo dos bens adquiridos na constância do casamento, ainda que haja esforço comum. Ou seja, é possível tornar ainda mais rígida a regra prevista na Súmula 377, do STF, segundo o entendimento do STJ.
A ementa do referido julgamento é bastante didática e resume os principais pontos ligados ao regime da separação obrigatória de bens:
RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. COMPANHEIRO MAIOR DE 70 ANOS NA OCASIÃO EM QUE FIRMOU ESCRITURA PÚBLICA. PACTO ANTENUPCIAL AFASTANDO A INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 377 DO STF, IMPEDINDO A COMUNHÃO DOS AQUESTOS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA. POSSIBILIDADE. MEAÇÃO DE BENS DA COMPANHEIRA. INOCORRÊNCIA. SUCESSÃO DE BENS. COMPANHEIRA NA CONDIÇÃO DE HERDEIRA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REMOÇÃO DELA DA INVENTARIANÇA.
1. O pacto antenupcial e o contrato de convivência definem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723).
2. O Código Civil, em exceção à autonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil, como sói ser o regime da separação obrigatória da pessoa maior de setenta antos (inciso II).
3. “A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace” (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017).
4. Firmou o STJ o entendimento de que, “por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta” (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010).
5. A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição” EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).
6. No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.
7. A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião. O que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens.
8. Na hipótese, o de cujus e a sua companheira celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade – com observância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens -, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao enlace, demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, com o afastamento da incidência da Súmula n. 377 do STF. Portanto, não há falar em meação de bens nem em sucessão da companheira (CC, art. 1.829, I).
9. Recurso especial da filha do de cujus a que se dá provimento. Recurso da ex-companheira desprovido.
(REsp n. 1.922.347/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 1/2/2022.)
Na nossa opinião, a questão envolvendo a obrigatoriedade do regime de separação de bens em função de idade avançada de um dos nubentes nada mais é do que o conflito entre o princípio da autonomia da vontade das partes e a lógica do ordenamento jurídico pátrio de proteção do interesse dos herdeiros, que se consolida na existência da própria legítima dos herdeiros necessários (equivalente à metade do patrimônio que deve ser destinado aos descendentes, ascendentes ou cônjuge/companheiros).
Embora seja louvável a intenção do legislador de proteger os interesses dos idosos, é certo que, cada vez mais, o ser humano chega à chamada terceira idade no ápice de sua capacidade intelectual. Estando o cônjuge 100% consciente do que está fazendo, com toda sua capacidade mental preservada, não nos parece ser justificável restringir o seu direito a contrair matrimônio ou união estável pelo regime de bens que melhor lhe aprouver, independentemente da idade.
Além disso, a boa-fé é um princípio universal do direito. O simples fato de alguém se casar com uma pessoa com idade muito superior à sua não significa que a união é movida por interesses econômicos.
Entendemos que uma solução plausível para a questão é a adoção do regime da separação obrigatória como regra (em detrimento do regime legal em situações normais, que é o da comunhão parcial), podendo os consortes, contudo, elegerem regime de bens diverso mediante assinatura de pacto antenupcial.
Afinal de contas, assim como ocorre em qualquer relação jurídica, se posteriormente for comprovada a incapacidade de uma das partes que assinou o pacto antenupcial, ou a existência de coação de qualquer tipo, o documento poderá ser declarado nulo de pleno direito, fazendo com que seja aplicável à relação, no cenário hipotético acima delineado, o regime da separação obrigatória de bens.
Qual é a sua opinião sobre o tema? Faz sentido a exigência da adoção do regime da separação de bens para pessoas acima de 70 anos? Deixe seu comentário!
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