Na vigência do Código Civil de 1916, nova união estável inviabiliza direito real de habitação

Que o direito real de habitação é uma importante ferramenta de planejamento sucessório ninguém questiona.

O que até há pouco tempo gerava controvérsia era se, na vigência do Código Civil de 1916, o início de uma união estável fazia cessar o exercício desse direito, considerando que a lei previa, em seu art. 1.611, que: 

“§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.”

Havia, portanto, duas importantes condições para que o cônjuge sobrevivente fizesse jus ao direito real de habitação: ser casado pelo regime da comunhão universal de bens (que era o padrão na época) e permanecer viúvo.

A grande questão era: a união estável é capaz de fazer cessar a viuvez?

Em 2019, o Superior Tribunal de Justiça, reformando acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entendeu que sim. Veja a ementa do Recurso Especial 1.617.636-DF:

DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO ABERTA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.611, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. EXTINÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE NOVA ENTIDADE FAMILIAR. UNIÃO ESTÁVEL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

1. O recurso especial debate a possibilidade de equiparação da união estável ao casamento, para fins de extinção do direito real de habitação assegurado ao cônjuge supérstite. 

2. Em sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação enquanto permanecer viúvo. 

3. A atribuição do direto real de habitação consiste em garantia do direito de moradia por meio da limitação do direito de propriedade de terceiros, uma vez que herdeiros e legatários adquirem o patrimônio do acervo hereditário desde a abertura da sucessão, por força do princípio da saisine. 

4. Conquanto o marco para extinção fizesse referência ao estado civil, o qual somente se alteraria pela contração de novas núpcias, não se pode perder de vista que apenas o casamento era instituição admitida para a constituição de novas famílias. 

5. Após a introdução da união estável no sistema jurídico nacional, especialmente com o reconhecimento da família informal pelo constituinte originário, o direito e a jurisprudência paulatinamente asseguram a equiparação dos institutos quanto aos efeitos jurídicos, especialmente no âmbito sucessório, o que deve ser observado também para os fins de extinção do direito real de habitação. 

6. Tendo em vista a novidade do debate nesta Corte Superior, bem como a existência de um provimento jurisdicional que favorecia o recorrido e o induzia a acreditar na legitimidade do direito real de habitação exercido até o presente julgamento, deve o aluguel ser fixado com efeitos prospectivos em relação à apreciação deste recurso especial. 

7. Recurso especial provido. 

No caso específico analisado pelo STJ, os filhos estavam exigindo que o pai lhes pagasse aluguel decorrente do uso exclusivo do imóvel (ao qual também passaram a ser donos em decorrência da herança deixada por sua mãe) a partir do momento em que passou a conviver em união estável.

O STJ acabou concordando com o entendimento dos filhos, pois, segundo entendimento do Ministro Relator, a união estável, apesar de não se enquadrar em nenhum estado civil, vem sendo equiparada ao casamento para todos os fins sucessórios.

É importante destacar que o Código Civil de 2002 (atualmente em vigor) não replicou a limitação prevista na legislação anterior, ou seja, não condicionou o direito real de habitação à manutenção da viuvez. Hoje, portanto, quem usufrui do direito real de habitação pode passar a viver em união estável, ou até casar novamente, sem abrir mão da moradia gratuita no imóvel em que residia com o cônjuge anterior.

Qual é a sua opinião sobre a decisão do STJ? E sobre o direito real de habitação em geral? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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