Amante não tem direito a seguro de vida
O planejamento sucessório deve sempre ser elaborado com dois intuitos principais: facilitar a sucessão e evitar conflitos.
Não é novidade, para os leitores do Próxima Geração, que o seguro de vida é uma das ferramentas disponíveis aos que planejam o que acontecerá com o seu patrimônio após seu falecimento.
Ocorre que a utilização dessas ferramentas deve ser realizada sempre considerando o contexto na qual está inserida. Ninguém deve utilizar um maçarico para consertar alguma coisa em um posto de combustível.
O mesmo se aplica ao planejamento sucessório.
Na última semana, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que uma amante não poderia ter sido indicada como beneficiária do seguro de vida contratado por um homem casado. Isso porque o Código Civil traz previsão expressa nesse sentido. Veja-se:
“Art. 793. É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato.”
Além da previsão na lei, tem prevalecido, até mesmo no Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que a bigamia não produz efeitos legais no Brasil. Ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro não traz proteção à(ao) convivente (popularmente conhecido como amante), se não há separação de fato do cônjuge.
Extrai-se de notícia publicada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o caso:
“Segundo o processo, o segurado, sem ter dissolvido seu matrimônio, convivia com a concubina desde os anos 1970, de forma pública e contínua, ao mesmo tempo em que mantinha o relacionamento com a esposa. Ciente de que a companheira ficaria fora de sua herança, ele instituiu seguro de vida em que a apontou como beneficiária (75%), ao lado do filho que teve com ela (25%) – o qual foi indicado como segundo beneficiário, para receber o total da indenização caso a mãe não pudesse receber sua parte.
No recurso especial apresentado ao STJ, a viúva alegou que seria ilegal a designação da concubina como beneficiária do seguro, razão pela qual pediu a reforma do acórdão do TJRJ, para que o saldo de 75% dos valores depositados pelo falecido fosse destinado a ela, e não à outra. (…)
De acordo com a ministra, como a designação da concubina na apólice foi inválida, a indenização deve ser paga respeitando a indicação alternativa feita pelo falecido para a hipótese de a primeira beneficiária não poder recebê-la – ou seja, ao filho que ambos tiveram.
‘Somente na falta também do segundo beneficiário incidiria a regra do artigo 792 do Código Civil, segundo o qual, ‘na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que foi feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem de vocação hereditária’, completou a relatora.
Com o parcial provimento do recurso, o colegiado afastou o direito da primeira beneficiária (a concubina) e determinou o pagamento do capital segurado ao segundo beneficiário (o filho), conforme a indicação do segurado.”
É provável que a escolha pelo seguro de vida tenha sido realizada como tentativa de “driblar” outra previsão do Código Civil:
“Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.”
Não tendo a convivente direito à herança e não podendo receber doações, o seguro de vida foi a solução criativa encontrada pelo cônjuge adúltero para tentar garantir algum bem material à amante.
Alguns podem alegar que o seguro de vida é um contrato privado, podendo nele serem definidos os beneficiários que o contratante escolher.
O fato, contudo, é que a lei brasileira não prevê a possibilidade de existirem relações bigâmicas, razão pela qual a flexibilização pretendida pela companheira do homem casado acabou (corretamente, na nossa visão) não prosperando.
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