É possível presumir a morte?

Somente no ano de 2020, 62.587 pessoas foram consideradas desaparecidas no Brasil, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021.

O desaparecimento de alguém, seja decorrente da certeza ou suspeita de envolvimento em algum evento fatal (como desastre ambiental, acidente aéreo, naufrágio, etc.), ou pelo simples sumiço sem explicação conhecida, além de normalmente trazer enorme sofrimento e angústia para os familiares, também produz efeitos jurídicos para fins patrimoniais e sucessórios.

O passo a passo dos trâmites está previsto no Código Civil, que divide a morte presumida entre “sem declaração de ausência” e “com declaração de ausência”.

A primeira possibilidade é mais rápida, pois, como o próprio nome indica, dispensa o procedimento para a declaração do desaparecimento, partindo-se direto para a presunção do falecimento propriamente dito. Existem duas possibilidades previstas no Código Civil:

Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

Trata-se, portanto, de casos onde alguém já estava em situação de provável morte (como nos exemplos já citados de queda de avião, desastre natural – como o rompimento de uma barragem), ou no caso de alguém envolvido em situação de guerra.

A situação fica mais complexa nos casos onde deve haver a declaração da ausência, pois são casos em que, em tese, a pessoa pode retornar a qualquer momento ao convívio social. Nesse sentido, o artigo 22, do Código Civil, prevê que:

Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.

Declarada a ausência, caberá ao curador administrar os bens da pessoa desaparecida, sendo que, neste primeiro momento, não poderá haver alienação dos ativos, salvo por autorização judicial.

O passo seguinte à declaração da ausência é a arrecadação dos bens pelo curador, conforme prevem os artigos 744 e 745, do Código de Processo Civil:

Art. 744. Declarada a ausência nos casos previstos em lei, o juiz mandará arrecadar os bens do ausente e nomear-lhes-á curador na forma estabelecida na Seção VI, observando-se o disposto em lei.

 Art. 745. Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 1 (um) ano, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, durante 1 (um) ano, reproduzida de 2 (dois) em 2 (dois) meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens.

Finalizados os prazos previstos na lei, poderá ser aberta a chamada sucessão provisória dos bens partilhados, conforme estabelece o artigo 28, do Código Civil:

Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido.

A partir desse momento, os herdeiros passam a ser provisoriamente responsáveis pelo patrimônio, tendo inclusive a posse deles (mediante oferecimento de bens em garantia, suficientes para cobrir o valor de seus quinhões), porém não a propriedade. A lei estabelece inclusive que metade dos frutos dos bens (por exemplo, aluguéis de imóveis, dividendos de ações, etc.) deve ser guardada para o caso de o ausente retornar, exceto se o herdeiro for seu descendente, ascendente ou cônjuge.

Transcorridos dez anos da sucessão provisória, podem os herdeiros requererem a sucessão definitiva, para que enfim ocorra a efetiva transmissão dos bens do ausente.

A sucessão definitiva também pode ser requerida se o ausente possuía mais de 80 anos de idade, após o decurso do prazo de cinco anos. Essa hipótese, inclusive, independe da sucessão provisória, como decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA. ABERTURA DE SUCESSÃO PROVISÓRIA OU DEFINITIVA. REGRA DO ART. 37 DO CC/2002 QUE PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE SUCESSÃO PROVISÓRIA COMO CONDIÇÃO PARA A DEFINITIVA. REGRA DO ART. 38 DO CC/2002, CONTUDO, QUE SE CONSUBSTANCIA EM HIPÓTESE AUTÔNOMA DE SUCESSÃO DO AUSENTE. ABERTURA DA SUCESSÃO DEFINITIVA SE PRESENTES OS REQUISITOS DO ART. 38 DO CC/2002. POSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE MORTE DO AUTOR DA HERANÇA DIANTE DO PREENCHIMENTO CUMULATIVO DOS REQUISITOS LEGAIS – SER OCTOGENÁRIO AO TEMPO DO REQUERIMENTO E ESTAR DESAPARECIDO HÁ PELO MENOS 05 ANOS. PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES DO PRESUMIVELMENTE MORTO POR 10 ANOS, DIANTE DA REGRA DO ART. 39 DO CC/2002. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE SOB CONDIÇÃO RESOLUTÓRIA.

(…)

3- Apenas a regra do art. 37 do CC/2002 pressupõe a existência da sucessão provisória como condição para a abertura da sucessão definitiva, ao passo que a regra do art. 38 do CC/2002, por sua vez, é hipótese autônoma de abertura da sucessão definitiva, de forma direta e independentemente da existência, ou não, de sucessão provisória.

4- A possibilidade de abertura da sucessão definitiva se presentes os requisitos do art. 38 do CC/2002 decorre do fato de ser absolutamente presumível a morte do autor da herança diante da presença, cumulativa, das circunstâncias legalmente instituídas – que teria o autor da herança 80 anos ao tempo do requerimento e que tenha ele desaparecido há pelo menos 05 anos.

5- Conquanto a abertura da sucessão definitiva transmita a propriedade dos bens aos herdeiros, a regra do art. 39 do CC/2002 ainda preserva, por mais 10 anos, os virtuais interesses daquele cuja morte se presume, pois, havendo um improvável regresso, extinguir-se-á a propriedade pela condição resolutória consubstanciada no retorno do ausente.

6- Hipótese em que o autor da herança possuiria, hoje, 81 anos de idade e está desaparecido há 21 anos, razão pela qual não há óbice à abertura da sucessão definitiva, nos moldes previstos no art. 38 do CC/2002.

7- Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1924451/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 22/10/2021)

Por fim, a legislação ainda prevê que, se o ausente ou seus herdeiros se manifestarem em até dez anos, contados da abertura da sucessão definitiva, poderão reaver os bens no estado em que se encontram, os que vierem a ser sub-rogados em seu lugar, ou, ainda, ou o valor que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados.

No livro “Inventário e Partilha – Teoria e Prática”¹, Conrado Paulino da Rosa e Marco Antônio Rodrigues elaboraram interessante esquema que ilustra bem as etapas do processo sucessório envolvendo ausente:

Percebe-se, assim, que o caminho da transmissão do patrimônio para a geração seguinte de alguém que desapareceu é longo e tortuoso, apesar de que inevitavelmente, com o passar do tempo e mediante a adoção de todas as medidas necessárias, deve chegar a um fim.

¹ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e Partilha. 2ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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