STF afasta ITCMD de bens localizados no exterior

O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou, no dia 27 de fevereiro, julgamento no qual decidiu que os Estados não podem cobrar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação referentes a bens localizados no exterior. Já havíamos mencionado este julgamento na parte final deste post, e agora explicaremos em detalhes os fundamentos dessa decisão que impacta diretamente os planejamentos sucessórios que envolvem ativos localizados fora do Brasil.

No caso analisado pelo STF, trata-se, conforme exposto no voto do Relator, Dias Toffoli, de cidadã brasileira que:

“recebeu, por doação testamentária de doador cidadão italiano domiciliado na Itália, um imóvel localizado na cidade de Treviso e uma quantia em moeda estrangeira. Alega, inclusive, que estaria sendo obrigada a ‘pagar em duplicidade, imposto de transferência de bens localizados no exterior pelo qual (sic) já pagou’.”

Por se tratar de análise de decisão judicial, o post de hoje será mais técnico do que usualmente costumamos escrever aqui no Blog. Desde já fica o convite para que o leitor leigo deixe seu comentário ao final do post caso não entenda, por exemplo, alguma expressão utilizada no decorrer do texto.

A discussão jurídica surgiu por conta da previsão contida no art. 155, da Constituição Federal:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior

Não há dúvidas, assim, de que a Constituição Federal expressamente exige a edição de Lei Complementar Federal (que nunca foi elaborada) para regulamentar a cobrança do ITCMD nas hipóteses das alíneas “a” e “b”, do inciso III, do art. 155. No entanto, os Estados defendiam que poderiam instituir e cobrar o imposto nessas situações com base no art. 24, § 3º, da Constituição Federal e art. 34, §3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assim preveem, respectivamente:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I – direito tributário , financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

“Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.

(…)

§ 3º Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.”

O voto do Ministro Relator cita trecho da doutrina do tributarista Alberto Xavier, que entende serem inaplicáveis os dispositivos legais acima transcritos para justificar a cobrança do ITCMD, pelos Estados, dos bens localizados no exterior:

“É que, repare-se bem, não se está aqui perante a lei complementar no seu papel constitucional de veiculadora de ‘normas gerais’, atribuído pelo inciso III do art. 146, mas sim na sua imprescindível função de ‘norma sobre competência’, conferido pelo inciso I do mesmo artigo, reguladora, por via preventiva, de conflitos de competência, em matéria tributária, entre os entes políticos da União.

Se é admissível o exercício supletivo pelos Estados, de uma competência concorrente em matéria de ‘normas gerais’, já não o é em matéria de ‘ conflitos de competência’ em que a competência normativa não é concorrente, mas privativa da União, na forma de lei complementar, pois só esta, de âmbito de validade geral, é suscetível de prevenir a formação de concursos de pretensões dos diversos Estados e do Distrito Federal potencialmente envolvidos na situação.

Com efeito, nas hipóteses em questão, a Constituição faz depender a própria existência da competência impositiva dos Estados e do Distrito Federal da edição de uma lei complementar prévia reguladora dos limites para seu exercício pela definição precisa de quais as conexões atributivas da competência de cada um dos entes políticos potencialmente envolvidos numa situação. E isto decerto para evitar os gravíssimos conflitos de competência que certamente adviriam se cada um dos Estados fosse livre para estabelecer os elementos de conexão que bem entendesse, gerando uma pluralidade de incidências sobre o mesmo fato gerador.

A escolha de qual Estado é titular de competência tributária é, pois, uma questão prévia relativa à aplicação da lei material reguladora da tributação, de tal maneira que a ausência da primeira envolve necessariamente a ineficácia da segunda, impedindo a vigência da mesma até à sua publicação.”

O Relator, concordando com a interpretação dada por Alberto Xavier em relação à necessidade de Lei Complementar, votou pela impossibilidade de cobrança, pelos Estados da Federação, do ITCMD nas “hipóteses de transmissão de bens imóveis ou móveis, corpóreos ou incorpóreos localizados no exterior , bem como de doador ou de de cujus domiciliados ou residente fora do país, no caso de inventário processado no exterior”.

Outro ponto interessante destacado por Dias Toffoli foi a necessidade de se discutir a matéria no âmbito do Congresso Nacional com o objetivo de “evitar conflitos de competências geradores de bitributação entre os estados da Federação e entre países com os quais o Brasil possui acordos comerciais, mantendo uniforme o sistema de tributos”. No caso que deu origem ao Recurso analisado pelo STF, a cidadã brasileira autuada pelo Estado de São Paulo alegou já ter sido tributada na Itália, o que inevitavelmente resultaria na bitributação.

Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral, o que significa que a decisão deverá ser seguida por todos os juízes e Tribunais do país: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

Por fim, cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal optou por modular os efeitos da decisão, que, portanto, passa a valer apenas para as doações e transmissões causa mortis ocorridas após o julgamento, exceto quanto às “ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente.”

Concorda com a decisão? Ficou com alguma dúvida? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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