A incomunicabilidade abrange os frutos do bem doado?
A estratégia de doar bens ainda em vida para os filhos como antecipação da herança é bastante comum e costuma ser uma das formas mais eficientes de planejamento sucessório, podendo até mesmo dispensar a necessidade da abertura futura do inventário (neste vídeo, eu comento sobre quatro coisas que todos deveriam saber sobre antecipação da herança).
É comum e justificável, contudo, a preocupação dos pais quanto à possível comunicação dos bens doados com o patrimônio dos cônjuges dos filhos, seja devido a eventuais passivos que possam contaminar o patrimônio ou pela possibilidade de um possível divórcio futuro.
Diante desse cenário, tornou-se corriqueira a inclusão de cláusulas prevendo a incomunicabilidade dos bens doados (comentamos sobre essa e outras cláusulas restritivas neste post), estratégia bastante inteligente e interessante para impedir que o patrimônio saia da família original.
No entanto, fica a questão: é possível impedir a comunicação dos frutos dos bens doados? Por exemplo: os pais doam para o filho, casado pelo regime da comunhão parcial de bens, um apartamento de alto padrão localizado em Jurerê Internacional (famosa praia em Florianópolis), incluindo, no contrato de doação, uma cláusula de incomunicabilidade.
Durante o verão, o filho aluga o apartamento e aplica toda a renda obtida (cerca de R$ 200.000,00) em uma “caixinha” específica em sua conta do Nubank.
Após a temporada, o casal se desentende e decide se divorciar. Bom, não restam dúvidas de que o apartamento não deve entrar na partilha de bens por conta da cláusula de incomunicabilidade. Mas e o investimento da “caixinha”, que nada mais é do que a subrogação dos alugueis (frutos) decorrentes do bem doado?
O Código Civil é claro:
Art. 1.660. Entram na comunhão:
(…)
V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Há previsão semelhante no capítulo que regula o regime da comunhão universal de bens:
Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.
Legalmente, portanto, não há discussão: o investimento realizado com a renda dos alugueis deve ser partilhado.
A dúvida é: os pais poderiam ter evitado isso?
O Superior Tribunal de Justiça, ao menos em uma ocasião (no longínquo ano de 2014), já decidiu que sim:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS. COMUNHÃO DE BENS. DOAÇÃO. MATRIMÔNIO ANTERIOR. ART. 265 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. CLÁUSULA GENÉRICA. FRUTOS CIVIS. INCOMUNICABILIDADE. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA EXPRESSA. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO. CONTA CONJUNTA NO EXTERIOR. INCONTROVÉRSIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. NECESSIDADE DE PARTILHA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. SÚMULA Nº 283/STF. ALIMENTOS. DEVER DE SUSTENTO. FILHO COMUM. BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. NECESSIDADE DE PACTO ANTENUPCIAL. SÚMULAS NºS 282, 356 E 284/STF.
1. O doador pode dispor em cláusula expressa a incomunicabilidade dos frutos de bem doado no benefício exclusivo do cônjuge beneficiário antes da celebração de casamento sob o regime de comunhão parcial dos bens.
2. O mandamento legal previsto no art. 265 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.669 do atual Código Civil), de natureza genérica, não veda previsão em sentido contrário.
(…)
8. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido.
(REsp n. 1.164.887/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/4/2014, DJe de 29/4/2014.)
Segundo o STJ, o fato de a lei não impedir que haja previsão expressa quanto à incomunicabilidade dos frutos significa que esse tipo de cláusula, prevendo a extensão da incomunicabilidade aos frutos, é plenamente válida.
No nosso entendimento, está correta a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça, afinal não faria sentido impedir que a incomunicabilidade se estenda aos frutos, sob pena de afronta ao princípio da autonomia da vontade das partes.
Cabe o alerta, contudo, de que nem sempre será fácil comprovar a destinação dos frutos a fim de evitar a inclusão em uma partilha do divórcio (conforme exemplo deste post), visto que, em muitos casos, os frutos acabam incorporando o orçamento da família.
Qual é a sua opinião sobre a decisão do STJ? Deve ser possível aos doadores estender a incomunicabilidade aos frutos dos bens doados? Deixe seu comentário!
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