Preciso pagar ITBI na integralização de capital social com imóvel?
O título deste post pode assustar os leitores menos familiarizados com os termos técnicos do mundo jurídico. Vamos, portanto, iniciar conceituando de forma simplificada cada uma dessas expressões.
- Imposto sobre Transmissão de Bens Inter vivos (ITBI) é um imposto municipal devido sempre que há transferência onerosa (ou seja, que não é gratuita) de um imóvel. Cada Município pode fixar a alíquota, que em média é de 3% sobre o valor venal (ou seja, de mercado) do imóvel.
- Capital social é o valor investido pelos sócios na empresa.
- “Integralização de capital social com imóvel” significa que a “moeda” utilizada pelo sócio para aportar recursos na sociedade foi um bem imóvel.
Como já falamos em diversas oportunidades aqui no blog, uma das formas mais comuns e eficazes de planejamento sucessório é a criação de holdings familiares, que nada mais são do que empresas criadas com o objetivo de acolher o patrimônio da família, que assim sai das pessoas físicas e passa a ser de propriedade das empresas, ficando os membros das famílias apenas como detentores das cotas da holding.
Acontece que, por ser uma transmissão onerosa de um imóvel da pessoa física para a jurídica, normalmente deveria haver a incidência do ITBI, certo? Na verdade, não. Isso porque a Constituição Federal expressamente prevê a imunidade dessa operação à incidência deste tributo. Veja-se:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[…]
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
[…]
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
O grande problema é que a parte final deste dispositivo constitucional sempre induziu os Municípios e até mesmo os contribuintes a pensarem que, quando a atividade preponderante da empresa em que o imóvel for integralizado é imobiliária, a imunidade não seria aplicável e o imposto, portanto, deveria ser cobrado. Essa interpretação é corroborada pelo teor dos artigos 36 e 37, do Código Tributário Nacional, que assim estabelecem:
Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
Ocorre que no ano de 2020, o Supremo Tribunal Federal, mais especificamente o Ministro Alexandre de Moraes, ao julgar o Tema 796 de Repercussão Geral (o que significa que a decisão vale para todo o Brasil), que inclusive discutia outra questão que será analisada na sequência, acabou alterando a interpretação a ser dada à Constituição Federal ao afirmar que:
“A esse respeito, o já mencionado professor HARADA esclarece que as ressalvas previstas na segunda parte do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 aplicam-se unicamente à hipótese de incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I.
Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso.
(…)
Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.”
A partir dessas afirmações contidas na fundamentação da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, que foi seguida na íntegra pela maioria do Tribunal, muitos têm defendido que o STF acabou declarando indiretamente a inconstitucionalidade do art. 37, do Código Tributário Nacional, sendo que, a partir de agora, não mais deve incidir o ITBI na integralização de capital social de empresas que tenham como atividade preponderante a imobiliária.
Resta saber se os Municípios concordarão voluntariamente com essa interpretação e, caso não concordem (o que é o mais provável), se o Judiciário vai aplicar a decisão do STF, já que, na verdade, se trata de trecho da fundamentação do voto do Ministro Alexandre de Moraes, que discutia outra questão.
O mencionado Tema 796 discutia a incidência do ITBI nos casos em que o valor do imóvel superava o valor do capital social. Isso porque era comum, por exemplo, que um imóvel de R$ 500.000,00 fosse utilizado para integralizar o capital social fixado em R$ 100.000,00, sendo que a diferença dos R$ 400.00,00 era contabilizada como reserva de capital. Ou seja, na prática os sócios estavam pagando mais pelas cotas do que elas realmente valiam, o que foi considerado como um planejamento tributário ilegal pelo STF.
Em uma operação específica em que isso ocorreu, o Município de São João Batista/SC questionou a imunidade do ITBI em relação a essa diferença (os R$ 400.000,00 do exemplo anterior), exigindo da empresa o pagamento do imposto. Essa discussão deu origem ao Tema 796, que foi julgado pelo STF de forma favorável ao Município. A tese fixada foi:
“A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”
Problema resolvido? Ainda não. Como se a discussão já não fosse complexa o suficiente, há ainda outra questão que não foi abordada pelo STF e que, portanto, continua gerando dúvidas e ao mesmo tempo sendo a esperança dos contribuintes para evitar o pagamento do ITBI: a integralização do imóvel não pelo seu valor de mercado, e sim pelo que consta na declaração do imposto de renda do seu proprietário.
Essa operação é permitida pela Lei nº 9.249/95, que assim prevê:
Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.
§ 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.
§ 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.
Parte da comunidade jurídica tem defendido, assim, que, optando o contribuinte por integralizar o imóvel com base no valor histórico e sendo as cotas subscritas por esse mesmo valor, os Municípios não podem cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor das cotas e o valor de mercado do imóvel, pois, afinal de contas, essa operação está abrangida pela imunidade prevista na Constituição Federal e não se enquadra na tese fixada no Tema 796.
Infelizmente todas essas discussões parecem estar longe do fim, restando aos contribuintes buscar, seja pela via administrativa ou judicial, o prevalecimento do seu direito à imunidade do ITBI na integralização de imóveis, sempre que for possível.
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Fontes consultadas para elaboração deste post:
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Boa tarde
O paragrafo abaixo ficou confuso, pois se o sócio está integralizando a valor de mercado e as cotas são no mesmo valor não existe diferença, teria somente o ganho de capital a ser pago.
Parte da comunidade jurídica tem defendido, assim, que, optando o contribuinte por integralizar o imóvel com base no valor de mercado e sendo as cotas subscritas por esse mesmo valor, os Municípios não podem cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor das cotas e o valor de mercado do imóvel, pois, afinal de contas, essa operação está abrangida pela imunidade prevista na Constituição Federal e não se enquadra na tese fixada no Tema 796.
Olá, Daniel! Você está certo. Havia um erro neste parágrafo (agora já corrigido). Onde estava escrito “valor de mercado” era pra ser “valor histórico”. Obrigado pelo alerta! Abraços.