Posso vender um imóvel para meu filho?

A venda de bens imóveis também pode ser considerada uma forma de planejamento patrimonial, podendo ocorrer por questões estratégicas ou até mesmo como forma de gerar liquidez ao ascendente, proporcionando-lhe, por exemplo, a possibilidade de aportar valor maior em plano de previdência privada, garantindo sua aposentadoria.

No entanto, o Código Civil traz condições para que a venda de um imóvel de pai para filho seja considerada válida:

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

O objetivo dessa previsão legal é a preservação do direito do cônjuge e dos demais descendentes à legítima, ou seja, 50% do patrimônio que obrigatoriamente deve ser destinado aos chamados herdeiros necessários. Ninguém pode impedir o ascendente de vender seu imóvel a terceiros, mas quando o comprador é um dos seus filhos (ou netos), inseriu o legislador essa condição como forma de evitar fraudes.

A exceção prevista no parágrafo único do artigo 496 diz respeito aos casos em que o casamento é regido pela separação obrigatória de bens (que não se confunde com a separação total, ou convencional), já que nesse caso um cônjuge em regra não tem direito ao patrimônio do outro.

Cabe ressaltar que, apesar de o assunto do presente post ser focado em bens imóveis, situação mais comum no dia a dia, o Código Civil fala em “venda de ascendente a descendente”, ou seja, essa previsão é aplicável em relação a toda e qualquer operação de compra e venda. Em processo julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, o objeto do questionamento foi a venda de automóvel. Veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE VENDA DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. (…) MÉRITO. VENDA DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE. FALTA DE ANUÊNCIA EXPRESSA DOS DEMAIS HERDEIROS. EXEGESE DOS ARTS. 167 E 496 DO CÓDIGO CIVIL. NULIDADE EVIDENCIADA. ATO SIMULADO. PRETENSO RETORNO DO AUTOMÓVEL AO STATUS QUO ANTE SOMENTE APÓS A QUITAÇÃO DO FINANCIAMENTO CONTRAÍDO. IMPOSSIBILIDADE. REQUERIDOS QUE PERFECTIBILIZARAM O FINANCIAMENTO POR LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE. BEM QUE CONTINUARIA SENDO UTILIZADO PELOS DEMANDADOS COMO SE PROPRIETÁRIOS FOSSEM. DECISUM MANTIDO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 (TJSC, Apelação n. 0303836-23.2017.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 17-12-2020).

O prazo para questionar a operação judicialmente é de dois anos, conforme estabelece o artigo 179, do Código Civil.

Infelizmente, a criatividade do brasileiro para tentar se esquivar do cumprimento da legislação não tem limites, e passou a ser comum a utilização de um intermediário entre o ascendente e o descendente, que compraria o imóvel do pai e venderia para o filho. Trata-se de operação envolvendo a chamada “interposta pessoa”, que também é vedada, afinal se trata de uma sofisticação da fraude. Novamente se transcreve decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre o tema:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. (…) COMPRA E VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE POR INTERPOSTA PESSOA. AUSÊNCIA DE ASSENTIMENTO DOS DEMAIS HERDEIROS. IMÓVEL ESCRITURADO EM NOME DO TIO DE UM DELES PARA FUTURA TRANSFERÊNCIA A UM DOS IRMÃOS. ELEMENTOS DE PROVA QUE DEMONSTRAM A SIMULAÇÃO NO INTUITO DE FRAUDAR A LEI. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 102, I, E 1.132, AMBOS DO CC/1916. PROCEDÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. “A interposição de terceira posição visa encobrir a venda direta, coibida expressamente pelo art. 496 (art. 1.132 do Código anterior), de modo a dar ao ato a aparência de uma compra e venda. De certo modo, está mais evidente a intenção de se intentar a fraude da própria lei, o que motiva a anulação do negócio” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 366). RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS (Apelação Cível n. 2008.019676-9, rel. Des. Victor Ferreira, j. 21-3-2013).

No caso analisado, portanto, houve a alienação do ascendente para o tio de um dos seus descendentes, que posteriormente vendeu para ele, isso tudo sem a anuência dos demais herdeiros. A operação foi considerada fraudulenta pelo Poder Judiciário.  

Você já conhecia as condições exigidas em lei para alienação de bens de pai pra filho, e, mais importante, quais são os objetivos dessas condições? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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