Direito de acrescer

Existem situações, tanto na sucessão legítima quanto na testamentária, em que os herdeiros que inicialmente seriam chamados para receber seus respectivos quinhões, por algum motivo, como falecimento do herdeiro contemplado em testamento ou renúncia de um herdeiro necessário, não vêm a efetivamente acolher a sua cota da herança, dando origem à chamada “cota vaga”.

Quando isso acontece na transmissão legal, simplesmente o valor do quinhão é redistribuído aos demais herdeiros, de forma proporcional. Na sucessão testamentária, contudo, o assunto não é tão simples.

O Código Civil traz, em seu artigo 1.941, uma série de requisitos para que exista o direito de acrescer aos demais herdeiros testamentários:

“Art. 1.941. Quando vários herdeiros, pela mesma disposição testamentária, forem conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados, e qualquer deles não puder ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos co-herdeiros, salvo o direito do substituto.”

Para que os co-herdeiros testamentários possam ser beneficiados com o acréscimo, portanto, é necessário que: (i) mais de um herdeiro seja beneficiado no mesmo item do testamento; (ii) os quinhões não sejam individualizados; e (iii) não exista a previsão de substituto no testamento.

Não estando presentes estas condições, a lei estabelece expressamente que “quando não se efetua o direito de acrescer, transmite-se aos herdeiros legítimos a quota vaga do nomeado” (art. 1.944, do Código Civil).

Foi esse, inclusive, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao analisar um caso em que o irmão da testadora tentava excluir seus sobrinhos da partilha de uma cota remanescente da herança, pelo argumento de que, por serem herdeiros testamentários, não poderiam figurar novamente na sucessão na condição de herdeiros legítimos:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO DE ACRESCER. HERDEIROS TESTAMENTÁRIOS. QUOTA PREDETERMINADA.

IMPOSSIBILIDADE. DIVISÃO. HERDEIROS COLATERAIS. ARTS. 1.829, IV, 1.840, 1.906, 1.941 E 1.944 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SOBRINHOS. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. EXCEÇÃO LEGAL. CONCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE. QUINHÃO HEREDITÁRIO. TÍTULOS SUCESSÓRIOS DISTINTOS. COMPATIBILIDADE. ART. 1.808, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código

de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. O direito de acrescer previsto no art. 1.941 do Código Civil de 2002 representa uma forma de vocação sucessória indireta e pressupõe (i) a nomeação dos herdeiros na mesma cláusula testamentária; (ii) que o patrimônio compreenda os mesmos bens ou a mesma porção de bens e (iii) a inexistência de quotas hereditárias predeterminadas.

3. Na hipótese de quinhões determinados, não há falar no direito de acrescer. Se o herdeiro testamentário pleiteado com quota fixa falecer antes da abertura da sucessão, sem previsão de substituto, aquela parcela deve retornar ao monte e ser objeto de partilha com todos os herdeiros legítimos.

4. No caso, o valor da quota-parte remanescente deve ser redistribuído consoante a ordem legal de preferência estabelecida na sucessão hereditária entre os colaterais (art. 1.829 do CC/2002), não havendo impedimento legal para que herdeiros testamentários participem também como legítimos na mesma sucessão hereditária (art. 1.808, § 2º, do CC/2002).

5. Na hipótese, os sobrinhos da falecida herdam por estirpe, a título de representação, concorrendo no percentual destinado ao herdeiro pré-morto ao

lado dos colaterais, na espécie, o único irmão sobrevivente da autora, que herda

por direito próprio.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(RECURSO ESPECIAL Nº 1.674.162 – MG. Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. Julgado em 16 de outubro de 2018)

No julgado transcrito acima, vemos também um exemplo prático de um assunto abordado em post recente aqui do Próxima Geração, onde falamos sobre a possibilidade, na sucessão entre colaterais, de os sobrinhos herdarem por representação em nome de seus pais (irmão ou irmã do autor da herança) quando estes já tiverem falecido.

No caso, o irmão da autora da herança queria herdar sozinho a cota remanescente (que daria origem ao direito de acrescer dos demais herdeiros testamentários, o que, contudo, não foi possível por haver a predeterminação dos quinhões), pedido não acolhido pelo STJ, tendo em vista ser possível a cumulação das condições de herdeiro legítimo (decorrente da ordem de vocação hereditária prevista no Código Civil) e testamentários.

Por fim, cabe destacar a impossibilidade de alguém abrir mão da cota vaga, ou seja, do seu direito de acrescer, sem que renuncie a toda a herança, já que aquela integra esta. A única exceção é a prevista no artigo 1.945, do Código Civil, que assim prevê:

Art. 1.945. Não pode o beneficiário do acréscimo repudiá-lo separadamente da herança ou legado que lhe caiba, salvo se o acréscimo comportar encargos especiais impostos pelo testador; nesse caso, uma vez repudiado, reverte o acréscimo para a pessoa a favor de quem os encargos foram instituídos.

Sobre esse assunto, Conrado Paulino da Rosa e Marco Antonio Rodrigues, em sua obra “Inventário e Partilha – Teoria e Prática”¹, explicam que:

“São exemplos de encargos, assistência econômica, pagamento de dívida, cuidado de uma pessoa doente. Nessas situações, autoriza-se o repúdio do mero acréscimo advindo, sem que se exija a renúncia da herança ou do legado. Dando-se o repúdio, reverte o mesmo para a pessoa em cujo favor se instituiu o encargo. Em termos práticos, imagine-se que o autor da herança faz o legado de um imóvel a um herdeiro, ficando ele com o encargo de dar alimentos a uma pessoa. Havendo a recusa, o bem passa para um outro herdeiro. Este, porém, em face do encargo que acompanha, sem que renuncie à herança ou ao legado em si. O imóvel vai, portanto, para a pessoa beneficiária do encargo.”

Percebe-se, assim, que o direito de acrescer possui peculiaridades que devem ser observadas, principalmente, pelo autor do testamento, servindo, até mesmo, como ponto de reflexão acerca da conveniência de serem nomeados substitutos à herança testamentária.


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¹ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e Partilha. 2ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.

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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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