STF confirma não incidência do ITCMD sobre bens no exterior

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os Estados não podem cobrar o ITCMD (imposto sobre herança e doações) referente a bens localizados no exterior até que sejam editadas novas leis estaduais prevendo essa possibilidade.

Para entender essa decisão, precisamos voltar um pouco no tempo.

Em 2021, como destacamos neste post, o mesmo STF já havia fixado a seguinte tese de repercussão geral (Tema 825): 

“É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

Naquele julgamento, as leis estaduais que previam a cobrança do imposto sobre bens localizados no exterior foram declaradas inconstitucionais, incluindo a legislação do Estado de São Paulo.

Acontece que, no final do ano de 2023, foi aprovada a Reforma Tributária (Emenda Constitucional 132/23), que, apesar de ter foco na tributação sobre o consumo, trouxe mudanças relevantes no ITCMD.

Dentre tais mudanças, estava a previsão de que os Estados poderiam cobrar o imposto sobre bens no exterior antes mesmo da edição da lei complementar, nos seguintes termos:

Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:

(…)

II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:

a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;

b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;

Com base nisso, alguns Estados que haviam tido suas leis declaradas inconstitucionais interpretaram que a decisão do STF, lá do ano de 2021, teria “perdido a validade” por conta do ingresso, no ordenamento jurídico brasileiro, da previsão transcrita acima, por meio da Emenda Constitucional n. 132/23.

Essa interpretação, contudo, foi recentemente (e agora finalmente chegamos ao assunto principal deste post!) rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário 1.553.620/SP. Extrai-se de trecho do voto da Ministra Relatora, Carmen Lúcia:

“Não há como acolher o argumento do Estado de São Paulo de ser aplicável o art. 4º da Lei estadual n. 10.705/2000, para fazer incidir o ITCMD sobre doações provenientes do exterior, ocorridas em momento posterior à edição da Emenda Constitucional n. 132/2023, pois este Supremo Tribunal assentou que “a modulação de efeitos fixada no Tema 825 não afasta a premissa maior do Tema, que é a ineficácia do art. 4º da Lei 10.705/2000 em face da ausência de lei complementar federal dispondo sobre o ITCMD quando envolve elemento relevante de conexão com exterior (art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal)” (Rcl n. 58.187-AgR, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 24.5.2023).

Ao reafirmar que a Emenda Constitucional n. 132/2023 “entrou em vigor em data posterior à declaração de inconstitucionalidade, nesta Corte paulista, da alínea b do inciso II do art. 4º da Lei bandeirante 10.705/2000, não havendo, portanto, norma federal ou estadual que estabeleça a hipótese de incidência de tributo incidente sobre as doações recebidas do exterior” (fl. 4, edoc. 14), o Tribunal de origem aplicou, de forma correta, o Tema 825 da repercussão geral.”

Ou seja, o STF consolidou o entendimento de que, atualmente, não é possível aos Estados realizar a cobrança do ITCMD sobre bens no exterior com base em uma lei declarada inconstitucional, devendo ser editada uma nova lei estadual prevendo essa possibilidade, ou aguardar a edição da lei complementar.

E por que os Estados não estão se movimentando para criar suas próprias leis prevendo a cobrança de ITCMD sobre bens localizados no exterior?

A resposta é simples: porque a lei complementar está prestes a ser aprovada: o PLP 108/24, que trata sobre a criação do comitê gestor do IBS e da CBS, novos tributos criados após a Reforma Tributária, e também traz alterações relevantes no âmbito do ITCMD, prevendo, finalmente, a possibilidade de os Estados cobrarem o imposto sobre bens localizados no exterior, como se depreende da leitura do art. 182:

Art. 182. É sujeito ativo do ITCMD relativamente a bens imóveis e respectivos direitos:

(…)

II – quando situados no exterior, o Estado ou Distrito Federal:

a) do domicílio do de cujus ou doador, se domiciliado no Brasil; ou

b) do domicílio do sucessor ou donatário, se o de cujus ou doador for domiciliado no exterior.

Portanto, o Estado do domicílio do doador ou de quem faleceu poderá cobrar o ITCMD sobre bens localizados no exterior, ou, caso o doador ou o falecido morem no exterior, será o Estado do domicílio dos herdeiros ou do donatário quem terá competência para efetuar a cobrança.

Considerando que o PLP 108/24 pode ser aprovado a qualquer momento, é possível concluir que existe uma janela muito curta para quem possui bens localizados no exterior fazer a doação ainda em vida sem a incidência do ITCMD.

Tags: | | |

Assine nossa newsletter!

Não enviamos spam. Seu e-mail está 100% seguro!

Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza Cookies e Tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência. Ao utilizar nosso site você concorda que está de acordo com a nossa Política de Privacidade.