Justiça invalida testamento após comprovação de separação de fato

Em uma decisão no mínimo polêmica, o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul reconheceu a ineficácia jurídica de um testamento pelo fato de ter sido lavrado nove anos antes da separação do casal, conforme matéria do IBDFAM, de onde se extrai que:

A decisão foi proferida em uma ação declaratória ajuizada pela mãe do falecido contra a beneficiária do testamento – que era sua esposa à época da lavratura do documento, mas de quem ele se separou de fato em 2019. O homem faleceu no ano seguinte, em 2020.

No testamento, ele destinava a parte disponível de seus bens à então esposa. A mãe alegou que a ruptura da relação afetiva entre o testador e a beneficiária antes da morte retirava a legitimidade da disposição testamentária. Defendeu, assim, que a vontade expressa no documento havia se tornado ineficaz, uma vez que o filho não teria mantido o desejo de beneficiar a ex-esposa após o fim da convivência.

Ao julgar o caso, a Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu que o testamento foi feito quando o vínculo conjugal ainda existia, mas considerou comprovado que tal vínculo deixou de existir ao menos um ano antes do falecimento. A separação de fato foi confirmada por sentença judicial e outros elementos, como a exclusão da ex-esposa do plano de saúde do testador.

A sentença destaca que houve “alteração substancial das circunstâncias” que fundamentaram a disposição testamentária, o que demonstrou a perda de sua eficácia. Além disso, a manifestação de vontade expressa em 2010 não se manteve válida até a morte do testador, em 2020.

Embora a decisão faça sentido do ponto de vista lógico, ao mesmo tempo causa preocupação por não haver previsão legal para esse tipo de presunção da vontade, como ocorre no caso do rompimento do testamento (clique aqui para ler nosso post sobre esse assunto ), que se dá quando o testador lavra o documento sem ter ciência da existência de herdeiros necessários.

Presumir que a vontade do testador mudou em decorrência da separação pode trazer alguns problemas graves, pois:

  • Entre a separação de fato e o falecimento, o testador poderia ter feito outro testamento revogando o anterior. Por qual motivo não o fez? É possível presumir que esqueceu ou que não teve tempo para isso?
  • O testador não está mais vivo para explicar qual seria o seu desejo nesse tipo de situação. Não necessariamente todos os casais que terminam um relacionamento cortam relações.
  • Como era a relação do testador com a mãe, que foi quem arguiu a ineficácia do testamento? Embora não seja comum, nada impede de o testador em questão ser mais próximo da ex-esposa do que de sua mãe, com quem pode nunca ter tido uma boa relação.

Além disso, cabe ao próprio testador especificar as hipóteses em que o testamento perde sua validade. Ou seja, caberia a ele prever especificamente que, no caso de divórcio ou simples separação de fato, as cláusulas que nomearam a esposa como herdeira testamentária ou legatária ficariam automaticamente revogadas, ou simplesmente dizer que a validade do testamento depende da manutenção do casamento.

Outra opção seria redigir uma cláusula genérica, prevendo a substituição testamentária: “deixo meus bens para a esposa ou companheira com a qual eu esteja me relacionando no momento do meu falecimento; na sua falta, nomeio minha mãe como substituta testamentária”.

Como se vê, essa decisão serve para comprovar a necessidade de se redigir um testamento com o acompanhamento de um advogado especialista na área, que, nesse caso, provavelmente teria orientado sobre a necessidade de inclusão de uma cláusula vinculando a eficácia do testamento à manutenção do relacionamento, caso essa fosse a vontade do testador.

Resta-nos aguardar o caso chegar ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e, posteriormente, possivelmente ao Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisprudência nos últimos anos tem seguido a linha de priorizar a validade da vontade expressa pelo testador no documento de disposição de última vontade, o que aparentemente contraria a decisão inovadora em questão.

Na sua opinião, foi correta a decisão da Justiça Gaúcha? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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