Como revogar uma doação

Já falamos aqui no Próxima Geração que a doação é um dos instrumentos mais utilizados em planejamentos sucessórios, principalmente pela grande vantagem por ela proporcionada que é a de evitar a abertura do processo de inventário após o falecimento do autor da herança.

No entanto, o que acontece se o doador se arrepende de ter se desfeito do bem? É sobre isso que falaremos no presente post.

 A má notícia para o doador (e, obviamente, boa para o donatário, ou seja, destinatário da doação) é que não existe um “direito de arrependimento de doação”, o que até é compreensível por uma questão de segurança jurídica para aquele que recebeu a doação do bem. Apesar disso, existem hipóteses em que a doação pode ser revogada, e elas estão previstas no Código Civil:

Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.

São dois, portanto, os “gêneros” da revogação de doação: ingratidão e inexecução do encargo. Mas, o que seria exatamente a ingratidão, que inclusive é uma expressão tão corriqueira? O próprio Código Civil responde essa pergunta:

Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:

I – se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele;

II – se cometeu contra ele ofensa física;

III – se o injuriou gravemente ou o caluniou;

IV – se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.

Esclarecendo alguns termos que podem não ser de conhecimento de todos: homicídio doloso é aquele com intenção de matar (enquanto o culposo é sem intenção); injúria é o ato de proferir ofensa contra a dignidade ou decoro de alguém, e calúnia é acusar alguém de ter cometido um crime, sem ter provas disso.

O Código Civil ainda prevê que a revogação da doação também é possível quando a vítima desses atos previstos no artigo 557 for o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do doador. O prazo estabelecido pela lei para requerer a revogação é de um ano, contado do momento em que chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor, sendo que apenas no caso do homicídio é possível que os herdeiros do doador sejam os autores da ação de revogação (nos outros casos deve ser o próprio doador, exclusivamente).

Há quem defenda, ainda, que o rol de hipóteses de revogação da doação por ingratidão previsto no Código Civil é exemplificativo, ou seja, que podem haver outros atos considerados graves (a serem analisados caso a caso) ao ponto de também serem justificarem a revogação.

O outro “gênero” da revogação é a inexecução do encargo. Isso significa que, tendo o doador estabelecido alguma condição (encargo) inerente à doação (como destinar parte do rendimento da aplicação financeira doada a uma instituição beneficente), o seu não cumprimento também possibilita a revogação da doação. O Código Civil prevê que, “não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida”.

As exceções à possibilidade de revogação estão elencadas no artigo 564, do Código Civil:

Art. 564. Não se revogam por ingratidão:

I – as doações puramente remuneratórias;

II – as oneradas com encargo já cumprido;

III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;

IV – as feitas para determinado casamento.

Todas essas possibilidades estão ligadas a um motivo relevante que justificou a doação. As doações consideradas como puramente remuneratórias são aquelas realizadas como forma de agradecimento por um serviço prestado pelo donatário ao doador. Um exemplo de aplicabilidade prática dessa exceção pode ser encontrado na seguinte decisão, proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco:

Apelação Cível. Ação Ordinária Revocatória de Doações. Casamento dos litigantes sob o regime de separação (consensual) de bens. Doações do cônjuge varão à mulher, compreendendo bens imóveis e depósitos bancários (dinheiro). Aquisição de bens, pelo virago, de bens imóveis (lotes de terreno). Cônjuge mulher que não exercia atividade laborativa remunerada fora do lar, prestando eventuais serviços de modo avulso ou autônomo. Doação pura e simples não condicionada. Atribuição à mulher de prática de delito contra o seu marido, cuja ação penal sofreu trancamento pela via de Habeas Corpus. Ingratidão decorrente de conduta e comportamento censurável por parte da mulher, ré na Ação ora apelada. Deflagração de três (3) disparos de arma de fogo defronte à atual residência do marido, fato confessado pela própria mulher, a qual sofreu perseguição policial até quando se abrigou na casa dela. Injúria Grave caracterizada (art. 1183 III, do Código Civil). Atitude emocional descontrolada da donatária. Depósito em dinheiro efetuados em conta bancária da donatária, com natureza remuneratória, haja vista que a mesma administrava a economia doméstica e um deles se destinava a arcar com despesas da cerimônia de casamento de um filho do doador. Provimento parcial recursal. Voto do Relator restringindo à revogação às doações alusivas aos bens imóveis, excluindo dois (2) lotes de terreno na Praia do Paiva, CABO (PE), enquanto que o Revisor e o Vogal limitavam a revogação a todos os bens imóveis, ressalvados os direitos de terceiros. Unânime decisão quanto a não revogação das doações em dinheiro dada a suas naturezas remuneratórias. (…)
(Processo nº 1999.01847603. Relator Desembargador Macedo Malta. Julgado em 20/12/2000)

No caso julgado, percebe-se, assim, que apesar de a esposa (donatária) ter praticado ato de indignidade (proferir tiros contra a residência do doador), as doações em dinheiro não foram revogadas por terem sido consideradas como remuneratórias, ou seja, foram realizadas como forma de agradecimento pela administração da economia doméstica e até mesmo por parte do valor ter sido destinado ao casamento do filho do doador.

Como se vê, cada caso deve ser analisado individualmente para que se chegue à conclusão quanto à possibilidade, ou não, de revogação de uma doação.

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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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