A separação de fato e sua influência na divisão da herança

Já abordamos, aqui no Próxima Geração, em artigo assinado pelo advogado Artur Fontes (clique aqui para ler), o impacto que o divórcio pode ter no planejamento patrimonial e sucessório. No post de hoje, que é de certa forma complementar àquele, estudaremos de que forma a “separação de fato” pode influenciar na divisão da herança.

A separação de fato é a situação oposta à união estável, onde pode ser reconhecida a intenção de constituição de família mesmo sem a formalização do vínculo amoroso existente entre as partes. Ou seja, a separação de fato ocorre quando os cônjuges, apesar de continuarem casados “no papel”, na prática já não vivem mais como um casal. Utilizando linguagem técnica, não há mais comunhão plena de vidas.

Sobre essa matéria, o Código Civil estabelece que:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Atualmente, contudo, o entendimento que tem prevalecido, tanto entre os doutrinadores quanto em decisões judiciais, é que dois pontos desse dispositivo legal já não são mais aplicáveis.

O primeiro deles seria em relação à “culpa” pelo término da convivência. Atualmente, entende-se que o casamento termina simplesmente pela ausência de vontade de um dos(ou dos dois) cônjuges, sendo desnecessário se falar em culpa. Sobre esse aspecto, destaca-se trecho de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos do processo nº 1000284-57.2018.8.26.0067:

“Inicialmente, importante consignar que é irrelevante discutir causas ou culpa acerca do término da união conjugal, ante teor da Emenda Constitucional nº 66. O casamento acaba por falta de comunhão plena de vidas (artigo 1.511 do Código Civil), e não por culpa dos cônjuges. O modelo da culpa foi substituído pelo fim do afeto. Aplica-se por analogia a regra do artigo 1.830 do Código Civil. Ao fim da vida em comum (mesmo sem a formalidade do divórcio), entende-se que também houve a cessação dos deveres e direitos inerentes ao casamento, não mais prevalecendo a afetividade mas também a presunção da comunhão do patrimônio.”

O segundo ponto do artigo 1.830, do Código Civil, que atualmente seria inaplicável é a necessidade de a separação de fato ter ocorrido há mais de dois anos para que o cônjuge sobrevivente não mais faça jus à herança. Isso porque o referido prazo era o previsto na Constituição Federal para que o casamento pudesse ser dissolvido pelo divórcio.

Após a Emenda Constitucional nº 66/2010, entende-se que não há mais prazo mínimo para que o divórcio seja realizado. A consequência, portanto, seria que também para fins sucessórios o referido prazo não mais seria aplicável. José Fernando Simão, em artigo publicado no website CONJUR (link da matéria disponível ao final do post), explica:

“Também o prazo de separação de fato, de dois anos, não mais subsiste. Esse prazo tinha relação direta com a redação do artigo 226, parágrafo 6º da Constituição, que o exigia como mínimo para a possibilidade de divórcio direto. A explicação está no próprio trâmite legislativo do Código Civil de 2002. O então projeto de Código Civil previa que o prazo para perda da qualidade de herdeiro era de cinco anos de separação de fato. A emenda 473-R, do senador Josapha Marinho, reduziu para dois anos, sob o seguinte fundamento[2]:

‘Consoante o artigo, ‘somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de cinco anos’… Mas, se a Constituição estabelece que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos” (art. 226, § 6º) – não há razão de fixar-se prazo de cinco anos para reconhecimento de direito sucessório’.

Seguindo a lógica em questão, se atualmente a Constituição da República não mais exige prazos para o divórcio, não mais há prazos para a perda da qualidade de herdeiro, bastando a separação de fato.

A leitura que se deve fazer do artigo 1.830, após a Emenda 66/10, é a seguinte: “Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato”.

A consequência lógica do reconhecimento da separação de fato, que é o objetivo do presente post, é a ausência de direito à herança do (ex)cônjuge, mesmo que “no papel” continuem casados, como reconheceu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina na seguinte decisão:

(…) ALEGADA AUSÊNCIA DE DIREITO DA RÉ SOBRE A HERANÇA. TESE ACOLHIDA. ÓBITO DA GENITORA DO REQUERENTE POSTERIOR À SEPARAÇÃO DE FATO. LITIGANTES QUE DEIXARAM DE PROCEDER AO DIVÓRCIO. (…) (TJSC, Apelação Cível n. 0302033-02.2018.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 03-09-2020).

Por fim, ressalta-se que a ausência de direito à herança, no caso de separação de fato, não impede o reconhecimento de eventual partilha devida em função do rompimento do vínculo matrimonial, o que, por sua vez, dependerá do regime de bens adotado pelo casal.

Você já sabia que a separação de fato, ou seja, independentemente da existência de divórcio judicial ou extrajudicial, poderia impactar na divisão da herança? Deixe seu comentário!

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Fontes consultadas para elaboração deste post:

CONJUR – Separação de fato e a perda da qualidade de herdeiro – Parte 1

CONJUR – Separação de fato e a perda da qualidade de herdeiro – Parte 2


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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