O trust como instrumento de planejamento sucessório

A complexidade de um planejamento patrimonial e sucessório depende de variáveis como: tamanho do patrimônio, natureza dos bens envolvidos, quantidade de herdeiros, qualidade da relação entre eles e com o(s) patriarca(s) da família e, até mesmo, da localização geográfica dos bens.

Na hipótese de parcela relevante do patrimônio estar localizada no exterior, e dependendo dos objetivos de quem está planejando a transmissão do patrimônio para a próxima geração, pode ser vantajosa a instituição de um trust. Neste post explicaremos, de uma forma geral, como funciona esse instituto jurídico.

Inicialmente, é importante destacar que a legislação brasileira não prevê nada parecido com o trust, que, contudo, é bastante comum em locais como Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman e Bahamas.

Existe certo estigma ligado ao trust pelo fato de esse instrumento ter sido utilizado em esquemas de corrupção, envolvendo lavagem de dinheiro e outros crimes. O problema, contudo, não está no trust, e sim em quem o utilizou para fins ilegais. Essa forma de planejamento patrimonial e sucessório é absolutamente legal, desde que, evidentemente, a origem dos recursos financeiros utilizados para aquisição do patrimônio também o seja.

Realizada essa introdução, passamos a explicar, em linhas gerais, como funciona o trust. Trata-se de um negócio jurídico privado, realizado no exterior, onde o dono do patrimônio, que é chamado, nessa estrutura, de settlor ou instituidor, transfere seus ativos a uma espécie de curador (denominado trustee), que passa a administrá-lo em favor do próprio settlor ou de beneficiários (que normalmente são os herdeiros do instituidor).

Cabe destacar que, apesar de os bens passarem a estar em nome do trustee (até mesmo por isso o nome trust, que é o termo em inglês para algo como “confiança”), eles não respondem por eventuais dívidas adquiridas em seu nome, proporcionando segurança jurídica ao settlor. Os limites de atuação do curador em relação ao patrimônio são definidos no contrato firmado entre as partes.

Juliano Pinheiro elenca, em artigo publicado sobre o tema (fonte indicada ao final do post), os principais deveres do trustee:

  • Administração dos bens em prol dos beneficiários;
  • Realização de investimentos produtivos, maximizando os ganhos dos beneficiários;
  • Identificação dos direitos e bens do trust, segregadamente dos bens do trustee;
  • Prestação de contas e de informações;
  • Distribuição dos bens e rendimentos;
  • Diversificação dos investimentos, respeitando a finalidade do trust;
  • Agir igualmente em prol de todos os beneficiários;
  • Não delegação da administração dos bens a terceiros.

Como exemplo de aplicação prática do trust, pode-se imaginar uma situação onde a família possui imóveis e aplicações financeiras no exterior. Os patriarcas (mãe e pai) podem optar pela utilização deste instituto para garantir que, no caso de seu falecimento, o trustee administre os bens e direcione os rendimentos deles extraídos aos filhos (que, na estrutura do trust, seriam os beneficiários), até que estes completem 25 anos de idade, por exemplo. No futuro, os filhos poderiam reaver os bens, passando a administrá-los por conta própria, se for o caso.

Tributação no Brasil

Pelo fato de não ser a utilização do trust tão popularizada no Brasil, até mesmo por se tratar de instituto aplicável normalmente a famílias com patrimônio robusto, não há um consenso sobre a natureza jurídica das receitas que são incorporadas ao patrimônio dos residentes no Brasil.

Recentemente, contudo, a Receita Federal do Brasil se manifestou sobre o tema, por meio da Solução de Consulta nº 41, de 31 de março de 2020, cujo relatório segue transcrito abaixo, até mesmo por ser bastante didático:

A interessada, acima identificada, dirige-se a esta Superintendência para formular CONSULTA sobre a correta tributação de valores recebidos de trust localizado no exterior.

Aduz que o trust é um contrato privado, lastreado fundamentalmente na confiança, onde seu instituidor (“settlor ou grantor”) transfere a propriedade de parte ou da totalidade de seus bens a alguém (“trustee”), que assume a obrigação de bem administrá-los em benefício do próprio settlor ou de pessoas por ele indicadas (“beneficiários”).

Declara ser beneficiária de trust com sede nas Bahamas e informa que o instituidor do trust foi seu esposo, que faleceu em 07/05/2016. Em razão do falecimento, a consulente passou a receber valores provenientes do trust por ele instituído, na condição de beneficiária, mas também de herdeira.

(…) considerando que o esposo da consulente era o instituidor do trust e que a consulente é beneficiária, questiona se os valores recebidos do trust, provenientes do exterior, em razão do falecimento de seu esposo, são fatos geradores do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) ou do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD).

Em resumo, portanto, a autora da Consulta formal suscitada junto à Receita Federal queria saber se deveria tributar os rendimentos recebidos de trust constituído nas Bahamas por seu falecido marido por meio do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) ou submetê-los à tributação pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Destaque-se que seria vantajosa para a beneficiária a segunda opção, ou seja, o ITCMD, tanto pelo fato de sua alíquota máxima ser bastante inferior à do IRPF (8% contra 27,5%), quanto em função de, recentemente, o Supremo Tribunal Federal ter declarado ser inconstitucional a cobrança do ITCMD, pelos Estados, de rendimentos auferidos no exterior, por ausência de lei específica, conforme exige a Constituição Federal. Abordamos o assunto com maior profundidade nesse post.

Entretanto, para surpresa de poucos, a Receita Federal manifestou entendimento de que a Consulente deveria recolher o IRPF sobre os valores recebidos do trust, conforme ementa (resumo da Solução de Consulta) a seguir transcrita:

RENDIMENTO RECEBIDO DE FONTE NO EXTERIOR.

O recebimento de rendimentos oriundos do exterior por residente no País é fato gerador do imposto sobre a renda e sujeita-se à tributação mensal mediante a aplicação da tabela progressiva mensal (carnê-leão) e na Declaração de Ajuste Anual.

Convém destacar que esse tema ainda poderá ser analisado pelo Poder Judiciário, até mesmo pela eventual não concordância de algum Estado, que poderá, no futuro (após a criação de lei específica) vir a pretender cobrar o ITCMD em operações semelhantes.

No nosso entendimento, a decisão acerca da incidência do IRPF ou ITCMD dependerá da análise de cada caso. Se a origem do recebimento dos valores é o falecimento do settler, parece-nos mais adequada a incidência do tributo estadual, já que se trata de herança. Se a operação diz respeito ao repasse de valores em decorrência de outro evento específico, é possível que haja a atração da incidência do IRPF, a depender, como dito, de cada caso.

Conclusão

Naturalmente, por se tratar de instituto jurídico sem previsão específica no Brasil, a utilização do trust pode causar insegurança jurídica, como destacado acima, em relação à tributação.

De qualquer forma, é inegável que se trata de instituto jurídico com vocação para utilização em planejamentos patrimoniais e sucessórios, sendo alternativa que pode proporcionar vantagens únicas, incluindo uma menor tributação dos bens, de forma lícita, nos países onde os trusts são constituídos.

Mas esse é um tema para um próximo post sobre o assunto.

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Fontes consultadas para elaboração deste post:

Juliano Pinheiro

Ativore Global Investments


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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