Testamento particular: quatro cuidados básicos

Por sua praticidade e ótimo custo versus benefício, o testamento particular (aquele que não vai a registro em cartório) se revela uma ótima opção para quem deseja destinar sua herança a pessoas que não seriam contempladas pela ordem de vocação hereditária, ou ainda para quem deseja alterar a proporção normal, prevista em lei, devida aos herdeiros necessários.

No entanto, é sempre bom lembrar que o testamento é um documento extremamente formal, e seus requisitos de validade, estabelecidos no código civil, devem ser observados, até mesmo porque as disposições testamentárias podem desagradar alguns herdeiros, motivando-os a questionar a validade jurídica do documento.

Neste post, ressaltaremos, com base em decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em processos onde a validade do testamento particular foi questionada, alguns cuidados a serem observados no momento da elaboração do documento de disposição de última vontade:

1 – Comprovar que o testador estava consciente do que fazia

O objetivo da lei, ao exigir, como requisito de validade do testamento particular, que o documento seja lido e assinado por no mínimo três testemunhas (art. 1.876, §1º, do Código Civil) parece-nos ser o de garantir que o testador estava em plenas capacidades mentais. Ou seja, que realmente o testamento expressa a sua última vontade.

Na ementa a seguir transcrita vemos um caso onde esses cuidados não foram observados:

(…) AÇÃO DE ABERTURA E CONFIRMAÇÃO DE TESTAMENTO PARTICULAR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA.   PRETENSA REFORMA DA SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE VALIDADE DO TESTAMENTO. INSUBSISTÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA A INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS INERENTES À VALIDADE E AUTENTICIDADE DO TESTAMENTO PARTICULAR. EXEGESE DO ART. 1.876, § 2º DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DA PRESENÇA E ASSINATURA DE TRÊS TESTEMUNHAS E DA DEMONSTRAÇÃO DA LEITURA DO DOCUMENTO PELO TESTADOR. ADEMAIS, DE CUJUS QUE, À ÉPOCA DA ASSINATURA DO TESTAMENTO, ESTAVA ACOMETIDO DA DOENÇA DE “DEMÊNCIA TIPO ALZHEIMER”. TESTADOR QUE NÃO ESTAVA EM PLENO DISCERNIMENTO DE SUAS FACULDADES MENTAIS. AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO DA VERACIDADE DO ATO DE DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE DO TESTADOR E DOS REQUISITOS ESSENCIAIS DE VALIDADE DO TESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONFIRMAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.   

“A presença e assinatura de no mínimo três testemunhas constitui requisito essencial de validade do testamento particular elaborado por processo mecânico, conforme dispõe o art. 1.876, § 2º, do CC. Inexistindo quaisquer elementos que justifiquem a ausência de testemunhas ou amparem a autenticidade do ato de disposição de última vontade, mantém-se a sentença que julgou improcedente o testamento particular” (TJSC, Apelação Cível n. 2008.035499-0, rel. Monteiro Rocha). (TJSC, Apelação Cível n. 0303072-81.2014.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Rubens Schulz, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 15-10-2020).

No processo em questão, além de o documento não estar assinado por testemunhas (fato do qual se presume, portanto, que não foi lido na presença delas), o testador estava acometido, na época em que elaborou o documento, pela doença conhecida como “Mal de Alzheimer”, fazendo com que a capacidade de discernimento do testador fosse colocada em dúvida.

2 – Evitar o Testamento Conjuntivo

Um erro comum na elaboração do testamento particular é a junção de dois testamentos em um só. Trata-se do chamado testamento conjuntivo, que é proibido no Brasil, como bem ressaltado na decisão abaixo:

(…) AÇÃO DE INVENTÁRIO. DECISÃO QUE RECONHECEU A NULIDADE DO TESTAMENTO PARTICULAR DEIXADO PELO DE CUJUS. RECURSO DO INVENTARIANTE. 

1. TESTAMENTO REALIZADO PELO PAI DO AUTOR JUNTAMENTE COM A SUA ESPOSA, EM PROVEITO DE TERCEIROS. HIPÓTESE DE TESTAMENTO CONJUNTIVO SIMULTÂNEO. PRÁTICA EXPRESSAMENTE VEDADA PELO ART. 1.863 DO CÓDIGO CIVIL. NULIDADE BEM RECONHECIDA PELO JUÍZO SINGULAR. EXEGESE DO ART. 166, INC. VII, DO MESMO CODEX E ART. 1.126 DA LEI PROCESSUAL. 2. DECISUM MANTIDO. 3. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJSC, Agravo de Instrumento n. 4028893-26.2019.8.24.0000, de Camboriú, rel. Raulino Jacó Brüning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 21-05-2020).

Inclusive temos, aqui no site, um post específico sobre o tema. Clique aqui para ler.

3 – Não deixar espaços em brancos

O parágrafo segundo do artigo 1.876, do Código Civil, determina que o testamento, “se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco (…)”.

Ao se deparar com situação onde havia espaços em branco e, além disso, a assinatura da testadora fora coletada quando o próprio documento ainda estava em branco, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina assim decidiu:

(…) PARTILHA REALIZADA APENAS COM OS HERDEIROS COLATERAIS, PRETERINDO A RECORRENTE, QUE SERIA A ÚNICA SUCESSORA DA FALECIDA, POR FORÇA DE TESTAMENTO PARTICULAR. ALEGADO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS DA DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE. INSUBSISTÊNCIA.    ASSINATURA DE FOLHA EM BRANCO PELA AUTORA DO TESTAMENTO PARTICULAR COM PREENCHIMENTO POSTERIOR. EXISTÊNCIA DE ESPAÇOS EM BRANCO. DIVERGÊNCIA DAS VERSÕES ACERCA DO PREENCHIMENTO. DEPOIMENTOS CONTRADITÓRIOS A RESPEITO DAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE O DOCUMENTO FOI PRODUZIDO. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE O TESTAMENTO EXPRIME A REAL VONTADE DA TESTADORA. ACOLHIMENTO DO PARECER MINISTERIAL.    Segundo o art. 1.876 do CC o testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico, contudo, se for elaborado por processo mecânico, não poderá conter rasuras ou espaços em branco e, deve ser assinado pelo testador na presença de no mínimo três testemunhas, que o subscreverão.(Apelação Cível n. 2015.047574-6, de Garopaba, Terceira Câmara de Direito Civil, Relator: Saul Steil, Julgado em: 17/11/2015).   RECURSO NÃO PROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.  (TJSC, Apelação Cível n. 0312423-54.2016.8.24.0020, de Forquilhinha, rel. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 20-02-2020).

Correto, no nosso entendimento, o desfecho do caso, eis que realmente os requisitos do Código Civil não foram preenchidos, tornando nulo o testamento particular em questão.

4 – Ler o testamento na presença das testemunhas

Como já ressaltado, a lei exige que o testamento seja lido pelo testador na presença das três testemunhas.

É recomendável que o procedimento seja seguido, porém há precedente judicial que flexibiliza essa exigência. Vejamos:

(…) ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE VÍCIOS FORMAIS E MATERIAIS NA CÉDULA. RIGOR DOS REQUISITOS DE VALIDADE DE TESTAMENTO PARTICULAR, PREVISTOS NO ART. 1.876 DO CÓDIGO CIVIL, FLEXIBILIZADO PELA PRÓPRIA LEI NOS ARTS. 1.878 e 1.879.   DOCUMENTO NÃO REDIGIDO PELO TESTADOR. AUSÊNCIA DE LEITURA DE SEU CONTEÚDO PERANTE TRÊS TESTEMUNHAS. VÍCIOS POUCO GRAVES E DE ASPECTO EXTERNO. SUBSTÂNCIA DO ATO DE DISPOSIÇÃO NÃO ATINGIDA. CÉDULA ELABORADA A PEDIDO DO TESTADOR E NA SUA PRESENÇA. GRAVAÇÃO ÁUDIO-VISUAL JUNTADA AO FEITO QUE CONFIRMA A SUA LUCIDEZ AO LER/REVISAR EM VOZ ALTA SEU TEOR. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL APTO A INVALIDAR O TESTAMENTO.    DÚVIDAS LEVANTADAS PELOS INSURGENTES ACERCA DA CAPACIDADE CIVIL DO TESTADOR. NÃO ACOLHIMENTO. VONTADE DE DISPOR DEVIDAMENTE EVIDENCIADA NOS AUTOS. PROVA TESTEMUNHAL QUE DE FORMA UNÂNIME ASSEVERA A LUCIDEZ DO TESTADOR NO PERÍODO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR. GRAVAÇÃO ÁUDIO-VISUAL QUE CONFIRMA A SUA INTENÇÃO DE TRANSFERIR SEUS BENS À CONSORTE.   AUSÊNCIA DE VÍCIO APTO A CONTAMINAR A SUBSTÂNCIA DO ATO DE DISPOSIÇÃO. RECONHECIMENTO DA VALIDADE DO TESTAMENTO PARTICULAR MANTIDA. RAZÕES RECURSAIS AFASTADAS.   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301788-24.2014.8.24.0007, de Biguaçu, rel. Luiz Felipe Schuch, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 21-11-2019).

É importante perceber que a decisão judicial fundamentou a flexibilização das formalidades com base na ausência de dúvidas acerca da intenção do testador, até mesmo porque foi anexada ao processo a gravação audiovisual que confirmou o teor do testamento e até mesmo a lucidez de seu autor.

Prevaleceu, também corretamente, em nossa leitura, a intenção do testador sobre os requisitos formais previstos na lei, seguindo a linha do Superior Tribunal de Justiça, inclusive.

Por fim, recomendamos vídeo publicado em nosso canal no YouTube onde destacamos os três erros mais comuns (que são diferentes dos cuidados mencionados neste post) na elaboração do testamento particular:


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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