A cláusula de incomunicabilidade é vitalícia?

Bastante comum em planejamentos patrimoniais, a cláusula de incomunicabilidade é um instrumento útil para, como o próprio nome indica, garantir que determinado bem não se comunique com o patrimônio do cônjuge, independentemente do regime de bens que norteia a relação.

Fica a dúvida, contudo, quanto ao caráter vitalício ou eterno da referida cláusula. Em outras palavras, com o falecimento do destinatário do bem doado, a incomunicabilidade continuaria produzindo efeitos indefinidamente, ou o cônjuge, por ser herdeiro, teria direito ao seu quinhão hereditário também em relação ao bem em questão.

Trata-se de conflito entre a vontade do doador, que voluntariamente quis evitar a comunicação do bem, e o direito à sucessão hereditária do cônjuge.

Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça se deparou com essa situação e se posicionou pelo caráter vitalício da cláusula de incomunicabilidade.

Transcreve-se, a seguir, a ementa da decisão:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. BEM GRAVADO COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. CÔNJUGE QUE NÃO PERDE A CONDIÇÃO DE HERDEIRO.

1. O art. 1829 do Código Civil enumera os chamados a suceder e define a ordem em que a sucessão é deferida. O dispositivo preceitua que o cônjuge é também herdeiro e nessa qualidade concorre com descendentes (inciso I) e ascendentes (inciso II). Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge herda sozinho (inciso III). Só no inciso IV é que são contemplados os colaterais.

2. A cláusula de incomunicabilidade imposta a um bem não se relaciona com a vocação hereditária. Assim, se o indivíduo recebeu por doação ou testamento bem imóvel com a referida cláusula, sua morte não impede que seu herdeiro receba o mesmo bem.

3. Recurso especial provido.

(REsp nº 1.552.553/RJ. Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti. Publicado em 11/02/2016)

A Ministra Relatora, em seu voto, assim se manifestou, apontando exemplo prático em que a cláusula pode ser útil, mesmo com o entendimento quanto à sua vitaliciedade:

“Pode-se imaginar, por exemplo, a hipótese em que um bem é doado ao cônjuge (ou legado a ele) com cláusula de inalienabilidade. Dá-se o divórcio e o bem, em virtude daquela cláusula, não compõe o monte a ser partilhado. Outra hipótese, bem diferente, é a que é tratada nestes autos. O cônjuge recebe a coisa gravada com aquela cláusula; o bem é só seu, não havendo que se falar em meação. Com o seu falecimento, o bem, que era exclusivo, passa a integrar o monte que será herdado por aqueles que a lei determina. Monte, aliás, eventualmente composto por outros bens também exclusivos que, nem por isso, deixam de fazer parte da herança.”

Em outro caso, mais recente, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser válida a previsão testamentária de destinação do bem gravado com cláusula de incomunicabilidade:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE TESTAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE. VIGÊNCIA DA RESTRIÇÃO. VIDA DO BENEFICIÁRIO. ATO DE DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE. VALIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte local pronuncia, de forma clara e suficiente, sobre as questões deduzidas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.

2. Conforme a doutrina e a jurisprudência do STJ, a cláusula de inalienabilidade vitalícia tem duração limitada à vida do beneficiário – herdeiro, legatário ou donatário –, não se admitindo o gravame perpétuo, transmitido sucessivamente por direito hereditário.

3. Assim, as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento que dispõe sobre transmissão causa mortis de bem gravado, haja vista que o ato de disposição somente produz efeitos após a morte do testador, quando então ocorrerá a transmissão da propriedade.

4. Recurso especial provido para julgar improcedente a ação de nulidade de testamento.

(Resp nº 1641549. Ministro Relator Antonio Carlos Ferreira. Publicado em 20/09/2019)

A resposta ao questionamento do título do presente post, de acordo com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é sim, os efeitos produzidos pela cláusula de incomunicabilidade são limitados à vida do beneficiário, ou seja, de quem recebeu o(s) bem(ns).


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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