Herança e filiação socioafetiva

Na última edição da nossa Newsletter, repercutimos a reportagem do programa Fantástico sobre a briga envolvendo a futura herança da empresária Anita Harley, que está em coma. Por ser solteira e não possuir descendentes, o direito de cuidar da saúde e do patrimônio bilionário da acionista das Lojas Pernambucanas tem sido alvo de reviravoltas judiciais.

Atualmente, de acordo com a matéria, o curador e futuro único herdeiro de Anita é Arthur Miceli, que conseguiu o reconhecimento judicial da filiação socioafetiva, que nada mais é que a equiparação ao status de filho biológico, por conta de fortes laços afetivos comprovadamente existentes.

Apesar de não haver critérios objetivos para a sua configuração, costuma-se exigir a prova de que a relação de parentesco seja pública, duradoura e consolidada. Quando o reconhecimento da filiação socioafetivo é voluntário, tudo é mais fácil, podendo inclusive ocorrer de forma extrajudicial, diretamente no cartório de registro civil, se o filho tiver mais de doze anos de idade.

As dificuldades surgem quando o pedido de reconhecimento da filiação socioafetiva ocorre após o falecimento da pessoa com quem se pretende ter o vínculo conhecido, pois, além de já não ser possível obter a confirmação por parte do(a) genitor(a), é comum que os filhos biológicos venham a se opor ao reconhecimento.

Os efeitos sucessórios, que é a área de interesse aqui do Próxima Geração, decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva são interessantes, principalmente por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal do ano de 2016, em sede de repercussão geral (que vincula, ao menos em tese, todos os juízes e tribunais do Brasil), de que:

“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.”

O filho que obteve o reconhecimento da filiação socioafetiva poderá vir a receber a herança de dois pais, ou de duas mães (ou até de dois pais e de duas mães – nesse caso, o reconhecimento necessariamente precisa ser judicial), portanto: do(a) biológico(a) e do(a) socioafetivo(a). Do mesmo modo, caso venha a falecer antes, ambos os pais (biológicos e socioafetivos) terão direito à herança do filho.

Há, inclusive, decisões judiciais que concedem liminares para que o quinhão do possível herdeiro seja preservado. Um exemplo disso é a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a seguir copiada:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM C/C PETIÇÃO DE HERANÇA. – LIMINAR DEFERIDA NA ORIGEM.   RECURSO DA MÃE BIOLÓGICA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. POSSIBILIDADE. MULTIPARENTALIDADE. PRECEDENTE DO STF. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. RESERVA DE QUINHÃO. CABIMENTO.    – “Havendo fortes indícios da paternidade, impõe-se o deferimento de tutela de urgência para assegurar ao autor a reserva de parte dos bens deixados por seu indigitado genitor, na proporção do quinhão a que eventualmente terá direito“. (TJSC, AI n. 0154004-30.2015.8.24.0000, rel. Des. Newton Trisotto, j. em 12-05-2016).   DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4016491-15.2016.8.24.0000, de Joinville, rel. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 30-05-2017).

Outra possibilidade é o reconhecimento da relação socioafetiva em testamento, seja pelo pai, o que atrairia a condição de herdeiro ao filho socioafetivo, seja pelo filho, o que tornaria o pai também seu herdeiro.

De todo modo, para evitar longas discussões e dificultar o processo de transmissão do patrimônio para a geração seguinte, é altamente recomendável que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja realizado ainda em vida, de forma a garantir que a vontade das partes envolvidas seja efetivamente respeitada.

Você já sabia da possibilidade de um filho socioafetivo vir a receber herança na mesma proporção dos filhos biológicos? Deixe seu comentário!


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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