Doação de pai pra filho

As doações de pais para filhos são muito utilizadas em planejamentos patrimoniais e sucessórios.

Existem, contudo, alguns cuidados que devem ser observados ao se optar por esse mecanismo jurídico de transferência patrimonial.

O primeiro deles é a questão tributária. Muitas pessoas não sabem, mas toda doação é considerada como sendo fato gerador do ITCMD, mesmo imposto que é cobrado sobre a herança (o “CM” é de causa mortis e o “D” de doação). A competência para cobrar esse tributo é dos Estados, que podem fixar as alíquotas entre 4 e 8% sobre o valor do bem doado.

O segundo cuidado que se precisa ter é em relação ao respeito à legítima.

Isso porque toda doação de ascendente para descendente, como é o caso das doações de pai para filho, é considerada como um adiantamento da herança, conforme previsto no Código Civil brasileiro:

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

O objetivo da lei é justamente o de proteger a legítima dos chamados herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), que possuem direito a, no mínimo, metade do patrimônio do autor da herança.

Nesse ponto, é importante mencionar que, se o valor da doação não superar 50% do patrimônio do doador, ele poderá fazer constar, em documento por escrito, que o bem saiu da parte disponível do seu patrimônio, o que dispensará sua futura colação, como veremos adiante.

Essa possibilidade consta no art. 2.005, do Código Civil:

Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.

A colação nada mais é do que o dever de o herdeiro que recebeu a doação quando o autor da herança ainda estava vivo trazer essa informação para os processo de inventário, a fim de que o valor a ela correspondente seja abatido de seu quinhão, garantindo o equilíbrio nos valores recebidos pelos herdeiros.

É o que diz o art. 2.002 e 2.003, do Código Civil:

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

 Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.

Sobre o tema, destacamos a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde parte da doação foi considerada inoficiosa (ou seja, nula), por ter violado a legítima dos herdeiros necessários:

“NEGÓCIO JURÍDICO. DOAÇÃO DA INTEGRALIDADE DO PATRIMÔNIO A UMA DAS NETAS. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 549, 1.789 1.829 E 1.846 DO CÓDIGO CIVIL. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. MONTANTE EXCEDENTE À LEGÍTIMA. OCORRÊNCIA DE DOAÇÃO INOFICIOSA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 184 DO LEGISLAÇÃO SUBSTANTIVA. PARCIAL NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. CONCLUSÃO ANÁLOGA PELA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA.   “A doação inoficiosa consiste em todas as liberalidades que ultrapassem a metade disponível do doador ao tempo da liberalidade. Qualquer alienação gratuita que alcance a metade indisponível dos herdeiros necessários será passível de nulificação por esses interessados – descendentes, ascendentes e cônjuge -, eis que eles detêm de pleno direito à legítima (arts. 1.789 e 1.846 do CC)” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916/ Coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011, pág. 598). (TJSC, Apelação Cível n. 0300452-72.2017.8.24.0041, de Mafra, rel. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 30-07-2019).

Uma questão polêmica, envolvendo a colação, é quanto à atualização, ou não, do valor do bem doado, no momento da abertura da sucessão.

Isso porque o Código Civil atualmente prevê que o valor a ser atribuído seria o do momento da doação. Ocorre que, em um país altamente inflacionário, como o nosso, tal situação poderia gerar injustiças, beneficiando quem recebeu a doação antes do falecimento do autor da herança.

Tal situação mudou a partir da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, o que ocorreu em 2016, que prevê expressamente:

Art. 639. No prazo estabelecido no art. 627 , o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que recebeu ou, se já não os possuir, trar-lhes-á o valor.

Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.

Recentemente, seguindo a nova previsão legal, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o dever de utilização, para fins de colação, do valor do bem no momento da abertura da sucessão. Veja-se:

“Inventário – Decisão que determinou, com relação ao imóvel doado à agravante, a fixação do valor venal/IPTU 2008 – Inconformismo da recorrente (buscando a fixação do valor constante na liberalidade) – Não acolhimento – Valor da doação inferior ao venal – Pretensão recursal que afronta a regra do art. 639, parágrafo único, do CPC (que estabelece, para fins de partilha, o valor venal ao tempo da abertura da sucessão) – Precedentes – Decisão mantida – Recurso improvido.” (TJSP – Agravo de Instrumento 2260318-33.2020.8.26.0000, Data de Julgamento: 28/05/2021).

Como se percebe, portanto, existem muitos detalhes envolvendo o aparentemente simples ato de um pai doar dinheiro ou bens para seus filhos, de modo que é sempre recomendável o acompanhamento de um profissional qualificado para assessorar a utilização deste mecanismo de planejamento patrimonial e sucessório.

Fonte consultada para a elaboração desse post:

B18


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Sobre o Autor

Felipe Zaleski
Felipe Zaleski

Sócio da Raupp Advocacia Empresarial, advoga desde 2013 para pessoas físicas e jurídicas. Especializado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) de Santa Catarina, o autor alia o conhecimento teórico e prático adquirido ao longo dos anos nas diversas áreas do Direito necessárias à realização de um bom planejamento patrimonial, como societário, contratual, imobiliário, família e sucessões.

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