Imóvel vendido e não transferido em vida entra no inventário?
Embora o foco do Próxima Geração não seja trazer conteúdo ligado especificamente ao processo de inventário, é inegável que um bom planejamento sucessório passa por organizar o patrimônio para facilitar o processo de transmissão dos bens para a próxima geração da família.
Quanto mais organizado estiver o patrimônio, mais fácil e rápido tende a ser o processo de inventário, seja judicial ou extrajudicial. Falamos sobre isso, inclusive, na aula 1 do nosso workshop (clique aqui para assistir).
Organizar um patrimônio, por sua vez, abrange a formalização e a regularização de operações envolvendo os bens que o integram, até mesmo para evitar complicações na hora da abertura e processamento do inventário.
Exemplo prático disso é a hipótese em que é celebrado contrato de compra e venda de imóvel entre particulares. É bastante comum a assinatura dos chamados “contratos de gaveta”, onde as partes, por inúmeros motivos (normalmente financeiros), optam por não formalizar a operação de compra e venda do imóvel no registro de imóveis.
Acontece que, inevitavelmente, em algum momento o comprador ou o vendedor precisarão regularizar a situação, e pode ser que, nesse momento, um dos dois já tenha falecido.Em situações como essa, pode surgir a dúvida: a operação se concretizou ainda em vida, ou se trata de transmissão causa mortis?
Se o vendedor já tiver falecido, a dúvida é relevante principalmente sob o prisma tributário: se a compra e venda se deu entre pessoas vivas, o imposto a ser cobrado na hora do registro da compra e venda é o ITBI (imposto sobre transmissão de bens imóveis inter vivos), que costuma ter uma alíquota de 2 ou 3% sobre o valor de mercado do imóvel. Por outro lado, em se tratando de transmissão patrimonial em decorrência da morte, o imposto incidente é o ITCMD (imposto sobre transmissão causa mortis e doação), que pode chegar a até 8% sobre o valor do imóvel.
Uma situação como essa foi analisada no ano de 2019 pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que assim decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA. IMÓVEIS ALIENADOS EM VIDA PELA AUTORA DA HERANÇA. NEGÓCIO FORMALIZADO MEDIANTE INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO – ITCMD. REGISTRO TRANSLATIVO DA PROPRIEDADE QUE NÃO DECORRE DA SUCESSÃO, MAS SIM, DA REALIZAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
“O registro do título translativo da propriedade após a morte da autora da herança, promissária vendedora, não se mostra causa adequada à geração da obrigação de pagamento de ITCMD, se a transmissão não tem como causa a morte (não ocorre a título sucessório), mas sim exsurge da mera formalização de ato realizado em vida pela falecida.” (AI n. 2009.039820-1, de Timbó, rel. Des. Denise Volpato, j. 30.4.2013) (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4006962-35.2017.8.24.0000, de Camboriú, rel. Des. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 21-3-2019).
Ou seja, prevaleceu o entendimento de que a operação de compra e venda se perfectibilizou ainda em vida, não sendo o caso, portanto, de incidência do ITCMD, até mesmo porque o imóvel já não integrava o patrimônio do autor da herança no momento de sua morte.
O interessante, nesse caso, é que um bom planejamento sucessório (leia-se: formalização da operação ainda em vida) teria beneficiado não apenas os herdeiros do autor da herança, que não precisariam se incomodar em resolver um problema gerado por operação realizada pelo falecido ainda em vida, mas, principalmente, os compradores do seu imóvel, que nem herdeiros são.
Os benefícios proporcionados pelo planejamento sucessório podem alcançar, portanto, até mesmo quem fez negócios ainda em vida com o autor da herança.
Sem falar que, ser lembrado como alguém organizado para fazer negócios, pelos que permanecerem por mais tempo do que nós neste mundo, não faz mal a ninguém.
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